Visto
no videoclube de uma operadora de telecomunicações, Vita e Virginia (Chanya
Button, 2018) é um objecto híbrido, no mau sentido. Logo à partida, este filme,
segunda longa-metragem de uma jovem realizadora cujo percurso inicial esteve
ligado a alguns reputados teatros londrinos, enfrenta uma dificuldade
importante: adapta uma peça, de Eileen Atkins (1992), sobre a relação entre
Virginia Woolf e Vita Sackville-West. A relação entre o cinema e o teatro é
complicada, sendo um dos seus riscos a artificialidade que pode resultar de
traduzir em imagens em movimento um texto concebido para o palco, sobretudo se,
como neste caso, a própria peça já se apropriava de excertos de livros e cartas
entre as protagonistas. Sem dúvida, trata-se de um risco interessante, que pode
ser superado de vários modos e tem-no sido algumas vezes na história do cinema;
nem sempre a artificialidade funciona mal, mas falta a este filme precisamente
aquilo que poderia ajudar a ultrapassar estas dificuldades: cinema – um
pensamento capaz de usar as palavras e os actores para criar um objecto que não
encontraríamos noutro lugar, nem no palco, nem na televisão. Vita e Virginia,
infelizmente, lembra muitas vezes uma minissérie. É verdade que há séries
de excelente qualidade e que plataformas como a Netflix tendem a esbater a
distinção entre televisão e cinema, sobretudo quando dificultam a passagem dos
seus filmes em sala, mas é precisamente por isso que sentimos falta de obras
feitas para o cinema, capazes de transcenderem de algum modo os escassos
centímetros dos ecrãs que temos em casa. Para quem, como o Cinéfilo Preguiçoso,
gosta de filmes sobre escritores ou se interessa por Virginia Woolf, o círculo
de Bloomsbury e a primeira metade do século XX em Inglaterra, Vita e
Virginia, apesar de não ser um bom filme, não será uma total perda de
tempo, na medida em que explora alguma informação relevante sobre a criação do
romance Orlando e a falta de validade de todas as fronteiras de género e
convenções de relacionamento para aquela geração. Estão em questão personagens
riquíssimas não só do ponto de vista literário e biográfico, mas também na sua
capacidade de inspirarem diferentes apropriações imaginativas. Logo no início,
é inevitável compararmos a Virginia Woolf de Elizabeth Debicki com a de Nicole
Kidman em As Horas, saindo a primeira a perder, mas ao longo do filme é
preciso reconhecer que Debicki, mesmo sem qualquer caracterização que a
aproxime fisicamente da escritora, capta com alguma competência o brilhantismo
sempre no limiar da loucura de Virginia Woolf. Outra surpresa agradável é
encontrarmos Isabella Rossellini no papel de mãe de Vita Sackville-West. As
restantes interpretações, em particular a de Gemma Arterton no papel de Vita,
são francamente insípidas, como se os próprios actores se sentissem
desconfortáveis com os diálogos. Vita e Virginia, com uma banda sonora
composta por Isobel Waller-Bridge (irmã da criadora de Fleabag), não é
bem cinema, não é bem televisão, não é bem teatro, não é bem literatura; é um
objecto sintomático dos tempos que vivemos, em que já não sabemos bem o que é o
cinema nem se vai sobreviver.