O Cinéfilo Preguiçoso não podia faltar à retrospectiva que a Cinemateca está a dedicar a Jean Grémillon. Maldone (1928), primeira longa-metragem deste realizador francês, tem como personagem principal o filho primogénito de uma família rica que abdicou da herança paterna e leva uma vida despreocupada como barqueiro, entre a rotina do trabalho, os momentos de ócio e os amores. A morte do irmão mais novo compele-o a regressar a casa, assumir a herança, casar-se e passar a ter uma existência burguesa. Maldone pode ser comparado com filmes aproximadamente contemporâneos, marcados pela dualidade entre dois modos de vida: por exemplo, Sunrise (1927) e City Girl (1930), de Murnau. Um dos aspectos mais notáveis do filme é a diversidade de estilos que Grémillon cultiva, sem nunca perder coerência: à fluidez e ao dinamismo das cenas na primeira parte do filme (com destaque para a extraordinária sequência do baile em que, em poucos minutos, Maldone passa de espectador a instrumentista, e deste a amante ciumento e quezilento) sucedem-se os enquadramentos clássicos e os planos estáticos que nos mostram o interior burguês onde o protagonista se aborrece mortalmente. O final é outro exemplo disto: depois de escolher em definitivo o regresso à vida livre de outrora, Maldone como que se funde na natureza, num galope desenfreado e paroxístico que a câmara acompanha por meio de movimentos frenéticos. Apesar da sua juventude e falta de experiência, Grémillon mostra neste filme uma segurança, ousadia e modernidade que contribuem para explicar a reputação que depois adquiriu e que perdura até hoje, em contraste com o moderado sucesso de que gozou em vida: Maldone, distribuído numa versão mutilada, foi um fracasso de bilheteira. Duas curiosidades sobre o elenco: Charles Dullin, que desempenha o papel de protagonista, foi um gigante do teatro francês do século XX e companheiro de percurso de Louis Jouvet e Georges Pitoëff, entre outros; Génica Athanasiou, que dá corpo à dançarina cigana que rejeita o Maldone casado e burguês depois de ter aceitado os seus avanços enquanto operário, foi na vida real a companheira de Grémillon e, antes deste, de Antonin Artaud. Filipe Raposo acompanhou ao piano a projecção de Maldone e também a de Chartres (1923), uma curta-metragem do mesmo realizador que é notável pela maneira inteligente e arrojada como nos mostra a coexistência da imensa catedral com a trama urbana da cidade que a rodeia.
Sobre Remorques (Jean Grémillon, 1941).
Sobre Remorques (Jean Grémillon, 1941).