22 de novembro de 2020

O Sal das Lágrimas

O Sal das Lágrimas (Philippe Garrel, 2020), já disponível no videoclube das operadoras de telecomunicações, tem algumas características em comum com obras anteriores deste realizador: mantêm-se o tema (a volatilidade das relações sentimentais), a estética despojada e alguns dos colaboradores habituais (Renato Berta na fotografia, Jean-Louis Aubert na música, Jean-Claude Carrière e Arlette Langmann no argumento). Destacam-se, contudo, alguns aspectos novos ou menos importantes em filmes anteriores. Por exemplo, a relação entre o protagonista, um jovem aprendiz de marceneiro (Logann Antuofermo) e o pai (grande papel de André Wilms, protagonista habitual dos filmes de Kaurismäki) é singular: por um lado, há uma grande proximidade entre os dois e o desejo, da parte do filho, de seguir as pisadas do pai, também ele marceneiro; por outro, sente-se um desejo inconsciente de rejeição da influência e dos conselhos paternos. Neste híbrido de cumplicidade e anseio de emancipação reside a principal linha condutora do filme. Ao contrário do que sucede na esmagadora maioria dos filmes que abordam o amor e as relações conjugais entre jovens, em O Sal das Lágrimas as derivas do protagonista, ao sabor das suas inseguranças e escolhas de vida e dos encontros com as mulheres que com ele se cruzam, não configuram um percurso de aprendizagem: não há evolução, não há crescimento, não há a certeza reconfortante de que o sofrimento é o preço a pagar pela sabedoria. Garrel mostra-nos este percurso de forma esparsa, acelerando o tempo da narrativa e inserindo hiatos cada vez maiores à medida que se sucedem os encontros e abandonos, mas permitindo-se pequenas peculiaridades estilísticas que surpreendem o espectador. Dois exemplos: a abundância de cenas (por vezes bastante incongruentes ou inesperadas) passadas em casas-de-banho, espaços íntimos cujo carácter privado se dilui graças a um jogo engenhoso de planos e portas ou janelas escancaradas, lembrando Bonnard; o recurso à voz-off, por vezes redundante em relação à acção, que parece ter como único objectivo reforçar a presença de um narrador, com o seu ponto de vista e o seu olhar, neutro mas cheio de melancolia, sobre os eventos da vida das personagens. Philippe Garrel chegou a uma fase da sua carreira em que já não se esperam revoluções na sua maneira de trabalhar, seja ao nível da forma ou dos temas, mas é muito interessante ir apreciando como, dentro desta matriz, cada novo filme se distingue dos anteriores graças a pormenores mínimos ou subtilezas na abordagem.
 
Outros filmes de Philippe Garrel no Cinéfilo Preguiçoso: O Amante de Um Dia (2017), L'Ombre des Femmes (2015).