O Cinéfilo Preguiçoso continua a descobrir a extensa filmografia de Manuel Mozos no campo dos documentários. Visto no videoclube de uma operadora de telecomunicações, Cinema Português? (1997) consiste numa conversa de Mozos com João Bénard da Costa, complementada com imagens de filmes portugueses. O registo é semelhante ao de Lisboa no Cinema – Um Ponto de Vista (1994), que alterna entrevistas com imagens montadas de maneira a reforçar, exemplificar ou prolongar as ideias expostas pelos entrevistados. Em ambos os filmes, fiel à sua maneira de entender o documentário, Mozos abstém-se de impor um ponto de vista teorizante ou didáctico, mas a escolha das imagens e o seu ordenamento revelam um esforço de reflexão que enriquece o filme e o subtrai à condição de mera sucessão de depoimentos alheios. Uma das linhas fundamentais de Cinema Português? é uma tentativa de resposta ao lugar-comum segundo o qual “o cinema português não existe”. Na opinião de Bénard da Costa, apesar de os filmes portugueses terem sido realizados ao sabor de escolas e movimentos efémeros, fortemente condicionados pelas afinidades políticas e culturais de cineastas e produtores, o resultado é um corpo filmográfico com características únicas, a tal ponto que seria possível reconstruir a realidade cultural portuguesa apenas a partir do cinema, na hipótese de um evento apocalíptico que apagasse todos os restantes vestígios do que se fez no país. Os excertos que são mostrados (infelizmente, só identificados no final – talvez tentando evitar que o espectador se concentre em cronologias e nomes, mas uma opção frustrante) ilustram as intervenções de Bénard da Costa, complementando-as ou usando-as como ponto de partida para raccords ou paralelos entre filmes de épocas e géneros muito diferentes. Há momentos deliciosos: por exemplo, pouco depois de Bénard da Costa manifestar o apreço pelo lado quase amador de alguns filmes portugueses, a propósito de uma cena de Maria do Mar (Leitão de Barros, 1930), vê-se obrigado a retirar o microfone para repreender um cão que não pára de ladrar, deixando à vista os mecanismos do cinema e o seu lado artesanal. Cinema Português? não funciona como reflexão profunda, nem o seu formato e duração o propiciariam: um ambiente de conversa informal é pouco compatível com a elaboração de um discurso com uma riqueza comparável à da obra escrita de Bénard da Costa. É um filme que se confina, e bem, à missão de explorar algumas ideias por meio da fricção entre palavra e imagem, sem pretensões de abrangência ou sistematização.
Outros filmes de Manuel Mozos no Cinéfilo Preguiçoso: Lisboa no Cinema - Um Ponto de Vista (1994), Ramiro (2017), Sophia, na Primeira Pessoa (2019).