3 de abril de 2022

A Rapariga e a Aranha

Para quem, como o Cinéfilo Preguiçoso, anda um pouco cansado de «excesso de narrativa», A Rapariga e a Aranha (Ramon e Silvan Zürcher, 2021), visto no Nimas, pode ser uma boa opção. Por «excesso de narrativa», entenda-se o que acontece em filmes que assentam em algumas características das séries de televisão ou das telenovelas: muitas personagens, que, ao longo do tempo, pelas suas acções, se vão enredando numa teia de que todas acabam por fazer parte, cada qual como uma peça num puzzle de sentido de que geralmente se consegue extrair um entendimento moralizante – filmes, como Mães Paralelas (Pedro Almodóvar, 2021) ou Três Andares (Nanni Moretti, 2021), que por norma suscitam elogios transversais, por se considerar que revelam «grande mestria». O problema não é tanto esta estrutura, mas antes a sua generalização, sem dúvida associada à proliferação das plataformas de streaming, que, produzindo principalmente para ecrãs de televisão, acabam por investir mais neste modelo do que noutros menos convencionais e assim condicionar o desenvolvimento de novos projectos. A Rapariga e a Aranha está nos antípodas desta tendência, a ponto de deixar a impressão de não ter narrativa suficiente. Tem como protagonistas duas colegas de casa (Mara/Henriette Confurius e Lisa/Liliane Amuat), uma das quais se vai mudar para outro apartamento, com o apoio dos profissionais de mudanças, familiares, amigos e animais de estimação que aparecem para ajudar ou atrapalhar. Outra personagem importante é uma terceira colega de casa, ausente porque decidiu ir trabalhar num barco de cruzeiro, mas que deixou o piano em que algumas personagens tocam de vez em quando uns acordes da valsa Gramophone de Eugen Doga e da canção Voyage Voyage de Desireless, as músicas que dominam a banda sonora. As alusões a esta personagem e as suas raras aparições tornam-se mais frequentes no final do filme, reforçando a impressão de que, à distância, continua a ter poder e ascendente sobre os ex-colegas de casa e aqueles que os rodeiam. O filme divide-se entre a nova casa, em que são dados os últimos retoques, e a casa anterior, em cujo espaço, entre as últimas arrumações, se organiza uma festa de despedida. Nunca chegamos a perceber inteiramente qual é a verdadeira natureza das relações que atraem e repelem as diferentes personagens entre si, não só porque os diálogos são antinaturalistas e sem informação concreta, mas também porque o filme, cuidadosamente coreografado e com algumas sequências oníricas, se assemelha mais a um bailado em que o desejo circula através dos olhares sem qualquer barreira de classe ou de género. Do mesmo modo, as motivações das acções são difíceis de compreender. Por exemplo, nunca se explicam as causas para a mudança de casa. E qual é a razão de Mara mentir tanto e se obstinar em danificar objectos e superfícies nas duas casas por meio de instrumentos cortantes e perfurantes? Por que motivo algumas personagens se envolvem com outras que não desejam, sem conseguirem aproximar-se das que realmente desejam? Tudo isto fica sem explicação – e ainda bem. Ramon e Silvan Zürcher são irmãos (gémeos) e nasceram na Suíça em 1982. Percebe-se que estão mais interessados em experimentar do que em seguir normas narrativas e televisivas. A Rapariga e a Aranha é a segunda longa-metragem que realizaram e foi considerada um dos filmes de 2021 pela revista Cahiers du Cinéma.