Os filmes sobre pintores mundialmente famosos tendem quase sempre, com mais ou menos variações, a basear-se em episódios biográficos, desejando ilustrar a evolução artística do pintor e sugerir ligações entre vida e obra. Munch (2023), visto esta semana no Filmin, faz precisamente isso, mas com um teor de pretensa sofisticação e uma sobreabundância de recursos estilísticos e formais. Rejeitando a linearidade narrativa, entre recuos e avanços no tempo ao longo de todo o filme, o realizador e co-argumentista Henrik Martin Dahlsbakken mostra-nos Edvard Munch em várias épocas: na juventude, apaixonado por uma mulher casada; na meia-idade, a debater-se com um esgotamento nervoso; e, na velhice, preocupado em preservar os seus quadros da pilhagem nazi. Há ainda um Munch na Berlim dos nossos dias, tão incompreendido pelo meio artístico e tão psicologicamente instável como o original. Cada época é filmada com um estilo e uma paleta cromática próprios, provavelmente para realçar as facetas distintas de um artista cuja complexidade Dahlsbakken quis, a todo o custo, exibir. A mão pesada de um realizador decidido a mostrar que é um “autor” faz-se sentir do primeiro até ao último minuto de Munch. Os diálogos pomposos e as opções formais gratuitas (por exemplo, o preto-e-branco nas cenas da clínica psiquiátrica, ou o recurso a uma actriz para representar o artista na última fase da sua vida) abafam qualquer ideia ou aspecto interessante da vida e personalidade do pintor norueguês. Sem conhecer a restante filmografia deste realizador, há razões para especular se toda esta elaboração formal resulta da incapacidade de contar uma história de forma simples. Ironicamente, o momento mais forte deste filme ocorre no final, quando são mostrados os quadros do artista nas paredes de um museu. O impacto visual e a riqueza destas obras, qualificadas como “demasiado simples” pelos críticos do Munch contemporâneo, são muito superiores a qualquer coisa que o espectador tenha visto nos noventa e tal minutos anteriores. Isto levanta inevitavelmente a questão: para quê fazer filmes sobre pintores famosos? À falta de se chamar Maurice Pialat (Van Gogh, 1991), talvez Dahlsbakken devesse ter procurado, pelo menos, estar à altura da simplicidade ilusória dos quadros de Munch, abdicando das invenções formais que tornam este filme pesado e estéril.
O Cinéfilo Preguiçoso vai fazer uma pausa no próximo fim-de-semana, mas regressará daqui a duas semanas.