À saída do cinema Nimas, depois de uma sessão com o filme Têm de Vir Vê-la, de Jonás Trueba (2022), uma pessoa perguntou a outra: “Gostaste?” E a outra, em tom céptico, respondeu: “Conta-me a história deste filme.” É possível que Têm de Vir Vê-la não seja para quem gosta de histórias bem contadas, mas foi um prazer vê-lo. Quem já conhece muito cinema pode dar por si a pensar ocasionalmente que basta ver cerca de um minuto de um filme para perceber se vai gostar ou não. Isto nem sempre é verdade, mas funciona muitas vezes. Têm de Vir Vê-la conquista quem tem de conquistar logo na sequência inicial: quatro personagens na casa dos trinta assistem a um concerto de Chano Domínguez. A câmara vai mostrando as expressões de cada um. Sem os conhecermos, ficámos logo a saber alguma coisa sobre eles: um está tenso; outra é sonhadora, mas difícil de decifrar; um é idealista; outra tem algum segredo que a faz sorrir. Estamos à mesa com estas personagens – tão dentro do filme que, quando o pianista pára de tocar, quase sentimos o impulso de aplaudir também. Depois descobrimos que são dois casais que se conhecem há muito tempo, mas não se vêem há cerca de nove meses. É a primeira vez que se encontram desde o confinamento ditado pela pandemia – reina uma atmosfera de estranheza e desconforto. Um dos casais mora em Madrid, o outro decidiu mudar-se para os arredores. Afinal, não só conhecemos bem estas personagens, como já tivemos conversas como a que elas têm. A oposição cidade/campo é um tópico mais importante do que parece nas relações entre amigos. As pessoas que preferem a cidade gostam de viver assim precisamente pelos mesmos motivos pelos quais as pessoas que preferem o campo decidem mudar-se para outro lado. Sempre que saem da cidade, as primeiras sentem-se como um peixe fora de água, perdidas entre estações de comboio no meio de nenhures. Mesmo assim, as segundas tudo fazem para convencer as primeiras a visitarem-nas. Claro que a viagem demora sempre o dobro ou o triplo do que tinha sido prometido. A história deste filme, na verdade, só tem dois acontecimentos que parecem marcantes: no primeiro encontro, em Madrid, o anúncio da gravidez do casal do campo; no segundo, em Alpedrete, num comentário de passagem, a informação de que a gravidez não chegou ao termo. Tudo o mais são conversas em que os amigos tentam gerir as diferenças entre eles, falando sobre outros assuntos (livros, arte, filosofia). A ideia de estas conversas e divagações, não necessariamente relacionadas com a acção principal, serem tão importantes para eles como outros acontecimentos na vida das pessoas talvez pareça desconcertante a alguns, mas faz sentido para estas personagens. É interessante comparar Jonás Trueba com Rohmer e Emmanuel Mouret, mas, enquanto no cinema de Rohmer as conversas são a acção, no de Jonás Trueba deslocalizam a acção tradicional; e, embora no cinema de Mouret os diálogos também tenham um grande peso, são bastante mais intencionais, estilizados e fantasistas do que neste filme, em que parecem mais arbitrários e mais realistas, com pausas abundantes e muita coisa que fica por dizer. No início, julgar-se-ia que o casal do campo tem a capacidade de tomar decisões convencionalmente consideradas mais adultas, mas no segundo encontro a ameaça da instabilidade na relação entre estes dois é evidente, enquanto a ligação entre o casal da cidade parece firme. Ao som de uma banda sonora excelente, com Bill Frisell, Grégoire Maret ou Bill Callahan, e entre citações de Rilke, Peter Sloterdijk e Olvido García Valdés, o que vemos acontecer neste filme de Jonás Trueba é a vida: um concerto, o regresso a casa a pé pelas ruas da cidade à noite, uma viagem de comboio, a primeira visita a uma casa, um almoço ao ar livre, um passeio num prado que parece uma selva mas onde abundam os sinais da civilização, como se fosse um território híbrido entre cidade e campo. No fim, mesmo a filmagem e a equipa da filmagem são integrados neste percurso, porque o cinema é indissociável da vida. Entre os vazios jogos de poder da vida mediática portuguesa, é inevitável desejarmos que Jonás Trueba nunca perca esta leveza. Precisamos tanto dela!