16 de abril de 2023

Babylon

Babylon, de Damien Chazelle (2022), é sobre a transição do cinema mudo para o cinema sonoro em Los Angeles, entre fins da década de 1920 e o início da década de 1930. Pode ser articulado com uma série de filmes recentes sobre a memória do cinema, como Os Fabelmans (Steven Spielberg, 2022) ou Império da Luz (Sam Mendes, 2022), que foram produzidos durante a pandemia, talvez por esta ter possibilitado, para alguns de nós, um período de paragem e reflexão propício a olhares retrospectivos, mais ou menos críticos ou sentimentais. O Cinéfilo Preguiçoso viu no videoclube de uma operadora de telecomunicações esta longa-metragem de 189 minutos, que, no entanto, tendo em conta a sua grandiosidade visual, de certeza ganhará em ser vista num ecrã de cinema. Esta grandiosidade nem sempre funciona bem, mas o realizador e argumentista Damien Chazelle assumiu que o filme, se tivesse de falhar ou pecar por alguma coisa, seria pelo excesso, não pela contenção. Babylon é uma fantasmagoria com laivos dantescos, cores saturadas, luzes fortes e sombras nítidas, pontuada pela banda sonora de Justin Hurwitz. Explora o lado negro de um período retratado de forma mais ligeira e elegante em Serenata à Chuva (Stanley Donen e Gene Kelly, 1952), filme citado várias vezes, sobre o qual no fim se sugere que é uma versão diferente dos acontecimentos narrados. Babylon surge assim como ponto de partida para Serenata à Chuva, apresentando o lado negro da história deste musical emblemático: a tragédia, a sordidez, o jogo, o álcool, as drogas, os suicídios, o desespero, os anjos, os demónios e os fantasmas que marcaram este período de transição no cinema. Estabelece-se um contraste irónico entre o caos e o ruído das filmagens do cinema mudo, por um lado, e o silêncio e a meticulosidade exigidos pelo cinema sonoro, por outro, mas o segundo causa uma enorme turbulência na vida das estrelas e dos profissionais do primeiro. Chazelle confessa ter um interesse particular não só por personagens sonhadoras que se entregam totalmente à arte que praticam, correndo o risco de, com ela, perderem tudo, mas também pelos custos, o esforço e as lágrimas associados à carreira artística – a vertente sombria da arte, que, na sua opinião, devia ser mais explorada pelo cinema. À semelhança das personagens de La La Land (Damien Chazelle, 2016), os protagonistas de Babylon – Jack Conrad (Brad Pitt), Nellie LaRoy (Margot Robbie) e Manny Torres (Diego Calva) –, entre outras figuras secundárias que ajudam a caracterizar o contexto, dedicam as suas vidas à arte e, portanto, perdem tudo quando o cinema deixa de ter um lugar para eles. Já foi muito discutido o fim do filme, em que reencontramos numa sala de cinema um dos protagonistas que, vinte anos depois da intriga principal, regressa à cidade de que teve de fugir. Evocando desnecessariamente o fim sentimentalista de Cinema Paraíso (Giuseppe Tornatore, 1988), esta cena mostra Manny a confrontar-se com o modo como a sua própria história é indestrinçável da história e do futuro tanto do cinema como da cidade de Los Angeles. De certo modo, este fim ajuda a explicar como Babylon é um filme caótico e ambicioso que, com um pouco mais de contenção e um pouco menos de ambição, poderia ter sido bem melhor. Sublinhe-se, no entanto, que apesar de ser um filme falhado, falha com algum esplendor. Além disso, traz uma coerência ao currículo de Chazelle que nos ajuda a perceber melhor quem ele é enquanto realizador.

Ler também: O Primeiro Homem na Lua (Damien Chazelle, 2018).