Ao contrário do que se passou
com Wes Anderson, outro realizador da mesma geração, não se pode dizer que Noah
Baumbach tenha desenvolvido um estilo particularmente excêntrico. Quanto aos temas
que explora, a sua atenção recai frequentemente sobre casais ou relações
românticas em crise, ou em vias de se desfazerem. Em Marriage Story
(2019), assistimos ao processo de divórcio de um casal (Scarlett Johansson e
Adam Driver), agravado pela distância: o marido é encenador num teatro de Nova Iorque,
ao passo que a mulher, que costumava participar nas peças dele como actriz,
aceitou um trabalho numa série de televisão em Los Angeles, para onde se mudou.
O factor da distância é agravado pela existência de um filho de oito anos, que
acompanha a mãe e começa a frequentar a escola em Los Angeles. O filme principia
numa fase em que a separação já parece irreversível. As causas, e os episódios
que lhes deram origem, são-nos revelados pelas conversas entre os membros do
casal e pelos depoimentos em tribunal. Baumbach não parece interessado em
explorar com profundidade o substrato emocional de um matrimónio em crise, à
maneira do Bergman de Cenas da Vida Conjugal (1974). Em vez disso,
mostra-nos um homem e uma mulher magoados, mas cheios de dúvidas, e que, além
de lidarem com as suas emoções, têm de resolver os aspectos logísticos e
práticos da situação: arrendar e decorar um apartamento, contratar advogados,
marcar viagens. Este lado quase documental de Marriage Story é um dos
seus aspectos mais interessantes: o casal surge preso numa engrenagem kafkiana
feita de regras, leis, processos e recomendações, que parece adquirir vida
própria e já nada ter a ver com a decisão de pôr fim à existência em comum que tudo
pôs em marcha. Bem menos conseguido é o equilíbrio entre as personagens
principais e as que as rodeiam: familiares, amigos, advogados, quase todos
excessivos e caricaturais. Não se percebe se Baumbach pretendeu injectar alguma
comicidade, ou reforçar o isolamento e a angústia do casal por comparação com o
histrionismo dos que tentam ajudar, mas o resultado é uma soma de registos que
não forma um todo coerente. O registo cómico que Baumbach cultiva durante
grande parte do filme não se harmoniza bem com os momentos mais dramáticos,
como a discussão do casal, o que faz com que estes soem um pouco a falso. Marriage
Story é um filme com muitos pontos de interesse, mas que nos deixa na
dúvida sobre as intenções do realizador, ficando aquém de obras como Frances
Ha (2012) ou Ruído Branco (2022), que transmitem uma segurança e
personalidade artística muito mais fortes. Assinale-se que o filme recebeu seis
nomeações para os Óscares, incluindo Melhor Filme, o que é notável para um
filme independente. Laura Dern, no papel de advogada, foi distinguida como melhor
actriz secundária, o que demonstra que a Academia não partilha do gosto do
Cinéfilo Preguiçoso. O talento de Dern é enorme, mas este exercício de overacting
talvez não merecesse ficar para a posteridade como um dos pontos altos da sua
carreira.
Outros filmes de Noah Baumbach
no Cinéfilo Preguiçoso: Enquanto Somos Jovens (2014); Mistress America (2015); Ruído Branco (2022).