9 de julho de 2023

Marriage Story

Ao contrário do que se passou com Wes Anderson, outro realizador da mesma geração, não se pode dizer que Noah Baumbach tenha desenvolvido um estilo particularmente excêntrico. Quanto aos temas que explora, a sua atenção recai frequentemente sobre casais ou relações românticas em crise, ou em vias de se desfazerem. Em Marriage Story (2019), assistimos ao processo de divórcio de um casal (Scarlett Johansson e Adam Driver), agravado pela distância: o marido é encenador num teatro de Nova Iorque, ao passo que a mulher, que costumava participar nas peças dele como actriz, aceitou um trabalho numa série de televisão em Los Angeles, para onde se mudou. O factor da distância é agravado pela existência de um filho de oito anos, que acompanha a mãe e começa a frequentar a escola em Los Angeles. O filme principia numa fase em que a separação já parece irreversível. As causas, e os episódios que lhes deram origem, são-nos revelados pelas conversas entre os membros do casal e pelos depoimentos em tribunal. Baumbach não parece interessado em explorar com profundidade o substrato emocional de um matrimónio em crise, à maneira do Bergman de Cenas da Vida Conjugal (1974). Em vez disso, mostra-nos um homem e uma mulher magoados, mas cheios de dúvidas, e que, além de lidarem com as suas emoções, têm de resolver os aspectos logísticos e práticos da situação: arrendar e decorar um apartamento, contratar advogados, marcar viagens. Este lado quase documental de Marriage Story é um dos seus aspectos mais interessantes: o casal surge preso numa engrenagem kafkiana feita de regras, leis, processos e recomendações, que parece adquirir vida própria e já nada ter a ver com a decisão de pôr fim à existência em comum que tudo pôs em marcha. Bem menos conseguido é o equilíbrio entre as personagens principais e as que as rodeiam: familiares, amigos, advogados, quase todos excessivos e caricaturais. Não se percebe se Baumbach pretendeu injectar alguma comicidade, ou reforçar o isolamento e a angústia do casal por comparação com o histrionismo dos que tentam ajudar, mas o resultado é uma soma de registos que não forma um todo coerente. O registo cómico que Baumbach cultiva durante grande parte do filme não se harmoniza bem com os momentos mais dramáticos, como a discussão do casal, o que faz com que estes soem um pouco a falso. Marriage Story é um filme com muitos pontos de interesse, mas que nos deixa na dúvida sobre as intenções do realizador, ficando aquém de obras como Frances Ha (2012) ou Ruído Branco (2022), que transmitem uma segurança e personalidade artística muito mais fortes. Assinale-se que o filme recebeu seis nomeações para os Óscares, incluindo Melhor Filme, o que é notável para um filme independente. Laura Dern, no papel de advogada, foi distinguida como melhor actriz secundária, o que demonstra que a Academia não partilha do gosto do Cinéfilo Preguiçoso. O talento de Dern é enorme, mas este exercício de overacting talvez não merecesse ficar para a posteridade como um dos pontos altos da sua carreira.
 
Outros filmes de Noah Baumbach no Cinéfilo Preguiçoso: Enquanto Somos Jovens (2014); Mistress America (2015); Ruído Branco (2022).