Visto no LEFFEST, Ruído Branco (Noah Baumbach, 2022) adapta o romance de Don DeLillo com o mesmo título, acompanhando o quotidiano de uma família (chefiada por uma Greta Gerwig e um Adam Driver de meia-idade), que, devido ao derrame de uma substância tóxica (ou à sua simulação), tem de sair de casa para proteger a vida. Apesar de se basear num livro publicado nos anos oitenta e de a acção se situar nessa década, pode ser descrito como um filme da pandemia, na medida em que, de acordo com o próprio Baumbach, foi concebido durante essa fase, em que, como estas personagens, vivemos um período quase apocalíptico e tivemos de nos confrontar com a nossa própria mortalidade. Não sabendo se alguma vez as pessoas poderiam voltar às salas de cinema, Baumbach reagiu dando total liberdade à imaginação, sem qualquer preocupação financeira. O resultado é um filme barroco e grandioso, mais espirituoso, agressivo e carregado do que aqueles que fez antes. Para os que conhecem e gostam do Baumbach mais intimista, é uma grande surpresa, mas Ruído Branco é de tal modo avassalador, que não dá oportunidade ao espectador para sentir cepticismo. E é avassalador por vários motivos. Em primeiro lugar, por adaptar um romance visionário, que muitos consideravam inadaptável, explorando eximiamente os seus diálogos hiperintelectualizados, o humor negro, a perigosa proximidade entre teoria, ficção, simulação e realidade, o contágio entre as palavras e as coisas, e também o fascínio pelo excesso de informação, que muitas vezes conduz à desinformação. Em segundo lugar, por ser, mais do que uma adaptação hábil, um filme em que são trabalhados e assimilados, nem sempre de modo totalmente irónico, diversos modelos cinematográficos importantes, como filmes-catástrofe, filmes com perseguições de carros, filmes sobre o mundo universitário, ou filmes dos anos oitenta, destacando-se Spielberg e David Lynch como referências importantes. Saliente-se também que Baumbach costuma contar com a colaboração de um coreógrafo e, além da já famosa sequência final no supermercado, ao som da música dos LCD Soundsystem, Ruído Branco, com banda sonora de Danny Elfman, integra algumas características da tradição do musical, sobretudo graças aos diálogos e ao ritmo da narração. Talvez seja o filme mais americano de Noah Baumbach, porque se apropria de todas as tradições desse cinema, e até da própria noção literária de “Great American Novel”, para produzir uma obra que, ainda assim, continua a ser tipicamente baumbachiana, na medida em que é, acima de tudo, uma investigação sobre a ansiedade. Pensávamos que tínhamos perdido Noah Baumbach para a Netflix, mas, felizmente, este filme tem estreia prevista em sala, na segunda semana de Dezembro.
Outros filmes de Noah Baumbach no Cinéfilo Preguiçoso: Enquanto Somos Jovens (2014); Mistress America (2015).
Nota: na próxima semana não haverá actualização do Cinéfilo Preguiçoso, mas prevemos retomar o ritmo habitual na semana seguinte.