30 de julho de 2023

A Lula e a Baleia

Depois de Marriage Story (Noah Baumbach, 2019), o Cinéfilo Preguiçoso decidiu rever (em DVD) A Lula e a Baleia (2005), terceira longa-metragem do mesmo realizador (se não contarmos com Highball, inacabado e renegado), por ele mesmo descrita como o primeiro filme autoral que fez. Tanto A Lula e a Baleia como Marriage Story giram em torno do divórcio de um casal, e em ambos o divórcio é mostrado como um facto inevitável, com antecedentes e razões que são revelados aos poucos, em retrospectiva. Se em Marriage Story o divórcio é encarado de uma perspectiva adulta, por um realizador experiente, em A Lula e a Baleia temos o ponto de vista dos dois filhos de um casal de intelectuais nova-iorquinos e um realizador que ainda está a aprender a fazer cinema e a assimilar artisticamente elementos autobiográficos. Por estes motivos, A Lula e a Baleia é não só sobre o divórcio, mas também sobre o modo como os filhos formam a sua própria identidade através das distinções que estabelecem entre eles e os progenitores. Para isso, contribuem os diálogos e cenas breves, interpretados por excelentes actores, num tom simultaneamente sincero e irónico que nos faz pensar que, antes de Ruído Branco (2022), já havia Don DeLillo em Noah Baumbach, talvez por ambos virem do mesmo substrato intelectual nova-iorquino em que um realizador como Woody Allen também se integra. Podemos, aliás, descrever A Lula e a Baleia também como um filme sobre Nova Iorque (ou sobre as palavras, os percursos e as casas de alguns nova-iorquinos), tal como Marriage Story pode ser descrito como um filme sobre os contrastes entre Nova Iorque e Los Angeles. Como costuma acontecer com algumas personagens de DeLillo, em A Lula e a Baleia, o pai (Jeff Daniels) e a mãe (Laura Linney), inspirados nos pais do próprios Baumbach, são escritores aprisionados numa rede de ideias e opiniões que os fazem perder o contacto com a realidade. O filme acompanha a libertação gradual dos filhos relativamente a esta influência tão forte, num processo que culmina simbolicamente na cena em que Walt (Jesse Eisenberg) foge do hospital em que o pai está internado e corre pelas ruas (ao som de Street Hassle, de Lou Reed), no que tem de ser uma referência explícita a uma das cenas finais de Manhattan (Woody Allen, 1979). No fim, a imagem da lula e da baleia a lutarem no Museu de História Natural é uma espécie de representação ingénua, mas verdadeira, não só deste filme mas também do cinema enquanto instrumento de compreensão da experiência. O divórcio pode ser cinematográfico? Não quando só se mostra pessoas a discutirem aos gritos, a não ser em casos raros e realmente excepcionais. Tanto A Lula e a Baleia como Marriage Story são filmes sobre muito mais do que isso, mas o primeiro, além de mais equilibrado, é muito mais singular, na medida em que revela como se faz um autor e realizador.
 
O Cinéfilo Preguiçoso regressa em Setembro. Boas férias para todos.
 
Outros filmes de Noah Baumbach no Cinéfilo Preguiçoso: Enquanto Somos Jovens (2014); Mistress America (2015)