Durante a pausa estival, o Cinéfilo Preguiçoso passou ao lado do paroxismo suscitado pelas estreias de Barbie e Oppenheimer. mas esteve atento ao panorama cinematográfico e até conseguiu ver alguns bons filmes. Trenque Lauquen (2022), da argentina Laura Citarella, exigiu duas idas ao cinema em dias consecutivos, porque foi exibido em duas partes, devido à sua extensão. No centro do filme está o desaparecimento de Laura (Laura Paredes), uma bióloga prestes a ingressar numa carreira universitária que fazia trabalho de campo na pequena cidade que dá nome ao filme, situada no interior da província de Buenos Aires. O espectador vai ouvindo as versões das pessoas próximas de Laura sobre os seus últimos dias e possíveis razões para o desaparecimento. Nem o noivo, nem a locutora do programa de rádio em que ela participava, nem o funcionário municipal que lhe serviu de motorista e confidente parecem alguma vez estar perto de encontrar uma explicação. A última secção do filme mostra finalmente o que aconteceu a Laura depois de perder contacto com as pessoas próximas, mas sem qualquer tentativa de explicação. De forma austera e neutra, as imagens acompanham simplesmente o movimento de fuga de Laura e os seus gestos e rotinas de sobrevivência, cada vez menos convictos, em cenários onde a presença humana é cada vez mais escassa. Citarella parece querer sugerir que o cinema é impotente para explicar ou interpretar os comportamentos humanos, e que as versões de todos os envolvidos, mutuamente equivalentes na sua inadequação, são tão inúteis para «compreender» o que se passou com Laura como o movimento mudo e centrífugo desta. Este respeito pela inviolabilidade do mistério faz com que o filme resvale para uma certa irrelevância e arbitrariedade na parte final, dominada por uma história que envolve uma criatura misteriosa resgatada do lago que dá o nome à cidade. Um pouco à maneira de alguns filmes de Apichatpong Weerasethakul, como Tropical Malady (2004) e Memória (2021), existe tanto um movimento da civilização em direcção ao coração da natureza como uma sugestão de fusão entre o animal e o humano e entre o mito e o quotidiano. Trenque Lauquen acaba por ser um filme bastante interessante pela sua estrutura, fértil em subenredos e pistas falsas. Porém, a recusa em oferecer explicações para o acontecimento central, que é uma escolha perfeitamente legítima e com provas dadas – pense-se em A Aventura, de Antonioni (1960) – soa aqui um pouco a falso e deixa a impressão de fuga para a frente e de desresponsabilização. Para acabar numa nota positiva, fica uma palavra de louvor pelo eclectismo da banda sonora, que mistura a valsa Les Patineurs, de Waldteufel, com as composições do argentino Gabriel Chwojnik, que muito contribuem para a atmosfera inquietante e sinistra do filme.