É sempre interessante ver o que acontece quando um realizador sai do meio onde se habituou a fazer os seus filmes e parte para outro país, com tudo o que isso implica de adaptação a uma nova cultura e novos métodos de trabalho. A história do cinema está repleta de casos destes, com uma gama muito diversificada de resultados: há cineastas que sofrem uma assimilação radical e perdem a originalidade, outros que mudam de rumo criativo, mas continuam a realizar filmes dignos de nota, e ainda outros que se mantêm fiéis ao seu estilo no novo ambiente. A julgar por Memória (2021), recém-estreado em salas portuguesas, Apichatpong Weerasethakul pertence ao terceiro grupo. Este filme, o primeiro do realizador rodado fora da Tailândia, dá continuidade às suas preocupações e estética, apesar dos cenários colombianos e de ser falado em espanhol e inglês. Toda a obra de Weerasethakul é percorrida pela exploração do intangível, daquilo que foge à temporalidade e à vida terrena. Essa indagação assume formas e usa ferramentas narrativas mais ou menos familiares, como a metamorfose, a reencarnação, as manifestações espirituais e religiosas ou até o apelo à memória cinéfila do espectador (recorde-se o primata de olhos brilhantes de O Tio Boonmee…, de 2010, que poderia ter saído de um filme de terror barato, como acontece com a nave espacial de Memória). Os enredos deste realizador não cultivam a coerência, e a tentação, por parte do espectador, de procurar explicações metafóricas ou simbólicas é sistematicamente frustrada: as imagens de Weerasethakul esquivam-se a interpretações e convidam à contemplação e a uma viagem íntima, conceptual ou emocional. Memória estrutura-se em quadros sucessivos, com uma organização cronológica pouco linear, que nos mostram uma floricultora (Tilda Swinton), que, de visita a Bogotá para visitar a irmã doente, começa a ser atormentada por um som, semelhante a uma explosão, que ouve repetidas vezes na sua cabeça. A tentativa de descobrir a origem desse som leva-a num percurso que a afasta da vida citadina e das relações familiares, transportando-a para um ambiente selvagem e progressivamente alheado das peripécias quotidianas. No final desse percurso está um homem misterioso (que pode ser uma versão mais idosa do jovem sonoplasta de quem se aproximou) e uma reconexão com recordações do passado. Serão recordações pessoais, de outrem, ou colectivas? O cineasta nunca fornece respostas, e também nisto é fiel ao seu estilo de sempre: alusivo, oblíquo e preferindo a sugestão à tese. O Cinéfilo Preguiçoso costuma gostar de realizadores, como Kiarostami ou Rohmer, acusados de fazerem «sempre o mesmo filme», mas há uma fronteira ténue entre a repetição como fruto da coerência artística, nunca isenta de variações e evolução, e a repetição derivada da acomodação. Memória, na medida em que pouco acrescenta ao trabalho prévio do realizador, deixa razões para recear que Weerasethakul esteja a enveredar por esta segunda via, apesar de ser mais interessante do que a grande maioria dos filmes que têm estreado nos últimos tempos.
Outro filme de Apichatpong Weerasethakul no Cinéfilo Preguiçoso: Cemitério do Esplendor (2015).