Esta
semana o Cinéfilo Preguiçoso viu dois filmes: Nunca Deixes de Olhar (2018), de Florian Henckel von Donnersmarck,
e À Porta da Eternidade (2018), de
Julian Schnabel. Ambos estão em cartaz e são inspirados pela vida e obra de
artistas visuais – o primeiro por Gerhard Richter; o segundo por Van Gogh.
Nenhum deles convenceu grandemente o Cinéfilo Preguiçoso. Nunca Deixes de Olhar tem a vantagem de abordar uma figura riquíssima,
ainda pouco explorada cinematograficamente. Inclui informação histórica e
biográfica interessante, fornecida ao realizador pelo próprio artista (embora
Richter posteriormente tenha renegado o filme). Um dos problemas fundamentais deste
filme, no entanto, é a ambição de apresentar “um fresco” de uma época complicadíssima
da história europeia (Segunda Guerra Mundial e o período de pós-guerra que
conduziu à construção de muro de Berlim). Esta ambição fá-lo perder-se em
personagens secundárias estereotipadas e sem grande densidade (sobretudo o pai
da mulher do protagonista, com as suas ligações ao regime nazi). Devido à dispersão
narrativa, o espectador com frequência sente que está a ver uma série
televisiva de co-produção europeia muito convencional. Nunca Deixes de Olhar não é, contudo, um filme a evitar. Os
momentos mais interessantes representam, por vezes de modo comovente, as
dificuldades do percurso artístico do protagonista, cheio de dúvidas, de becos
sem saída e de recomeços. O título original – Obra sem Autor – chama a atenção para o modo interessantíssimo como
o artista em questão manipulou a recepção inicial da sua obra, declarando-a totalmente
isenta de ligações entre a arte e a vida, quando afinal, como mais tarde se
demonstrou, trabalhou claramente elementos da sua própria história familiar,
incluindo fotografias do álbum de família. Acrescente-se que a banda sonora de
Max Richter contribui para o envolvimento do espectador ao longo dos 188
minutos de duração do filme. Já em relação a À Porta da Eternidade o Cinéfilo Preguiçoso não está com vontade de
ser indulgente. Tendo em conta que Van Gogh é um pintor tão explorado pelo
cinema, seria de esperar que Schnabel pensasse melhor antes de fazer um filme tão
dispensável e cheio de tiques visuais. A opção pelo ponto de vista de um
protagonista perturbado, um mecanismo também bastante gasto, serve de pretexto
para o abuso de imagens desfocadas e movimentos de câmara susceptíveis de
causar dores de cabeça. Outro elemento irritante do filme é a ênfase na questão
da “eternidade da arte” e no tópico do artista enquanto figura eleita e
iluminada, em contraste com a incompreensão dos contemporâneos e conterrâneos
em relação à sua obra, como se Van Gogh só tivesse preocupações “elevadas”,
quando, na realidade, se interessou artisticamente pelos temas mais humildes e
quotidianos (botas gastas e cheias de lama, flores, quartos miseráveis, a
natureza mais banal) e se debateu com as dificuldades mais comezinhas e
prosaicas que possamos imaginar. Nem tudo no filme é mau: Willem Dafoe oferece
uma interpretação que, sem ser brilhante, é contida e eficaz; as cenas entre
Vincent e o irmão Theo (Rupert Friend) funcionam bem. Por último, é
interessante observar como duas abordagens tão diferentes (convencional e
televisiva, num caso, autoral no outro) conduzem a filmes igualmente
insatisfatórios, ainda que não desprovidos de alguns aspectos redentores.