29 de julho de 2018

Remorques | On the Beach at Night Alone


Esta semana, antes de férias, o Cinéfilo Preguiçoso assistiu à Double Bill que a Cinemateca Portuguesa costuma programar aos sábados. Neste sábado havia filmes «que não existiriam sem o mar e sem a praia». O primeiro, Remorques (1941), realizado por Jean Grémillon, tem como personagem principal o capitão de um rebocador (Jean Gabin), dividido entre o trabalho, a mulher (Madeleine Renaud), que, escondendo uma doença grave, o tenta convencer a abandonar uma ocupação tão perigosa, e Catherine (Michèle Morgan), uma jovem salva de um naufrágio que se envolve romanticamente com o capitão. Este filme é um bom exemplo do talento de Grémillon, que tem conquistado com toda a justiça o estatuto de um dos realizadores franceses mais interessantes da primeira metade do século XX. São particularmente notáveis a fluidez da realização, a gestão seguríssima do tempo da narrativa e a atenção aos pequenos e grandes dramas íntimos das personagens. As transições entre registos (de uma boda para um navio no meio da borrasca, dos exteriores urbanos da cidade de Brest – a poucos anos de ser destruída pela guerra – para uma praia idílica) e os diálogos (onde se nota a mão de Jacques Prévert) são igualmente notáveis. Contudo, o filme ressente-se de alguma falta de consistência do enredo, demasiado dependente de um triângulo amoroso que soa a falso e roça o melodramático: aceita-se que a dimensão alegórica seja predominante, mas falta alguma capacidade para conferir verosimilhança e credibilidade às motivações das personagens. Sem que isto sirva como atenuante (até porque Remorques está muito, muito longe de poder ser considerado um filme falhado), saliente-se que as condições de rodagem deste filme foram extremamente delicadas, tendo esta chegado a ser interrompida pela entrada da França na Segunda Guerra Mundial e pela mobilização de Gabin e Grémillon. O segundo filme da Double Bill foi On the Beach at Night Alone (2017), do sul-coreano Hong Sang-Soo. O Cinéfilo Preguiçoso é grande admirador da obra deste cineasta, como se pode verificar nos textos dedicados aos filmes O Dia Seguinte (2017) The Day He Arrives (2011), Haewon e os Homens (2013) e Right Now, Wrong Then (2015), com informação que, aliás, se aplica na perfeição a este filme. O espaço disponível não chega para dissecar as subtis e fascinantes diferenças e modulações e os inúmeros ecos formais que unem e distinguem estes filmes, por isso limitemo-nos a confirmar que Hong continua a fazer filmes sobre a perda e a crise sentimental, mas também sobre a capacidade e o medo de tomar as resoluções necessárias para viver melhor a vida, nos seus cenários preferidos e com os seus actores de sempre, com destaque para Kim Min-hee, que recebeu com todo o mérito o prémio de melhor actriz do Festival de Berlim por este filme. Acrescente-se que Hong continua sem desejo de dissipar a fama de «fazer sempre o mesmo filme» – e ainda bem. O Cinéfilo Preguiçoso já explicou que nada tem contra realizadores que se repetem. Mais do que repetir-se, Hong transforma a repetição numa estratégia artística, quer ao nível da sua caudalosa filmografia (cerca de vinte longas-metragens em outros tantos anos de carreira), quer dentro de cada filme, em que ele invariavelmente incorpora uma abundância de revisitações do mesmo episódio, redundâncias e reaproveitamentos de linhas de diálogo. Espera-se ansiosamente pela estreia, ou exibição fora do circuito comercial, dos três (isso mesmo, três) filmes que Hong já realizou depois deste.

O Cinéfilo Preguiçoso regressará em Setembro. Boas férias para todos.