13 de novembro de 2022

Uma Bela Manhã

Desta vez, o Cinéfilo não foi nada preguiçoso. Na Festa do Cinema Francês, viu não só Frère et Sœur (Arnaud Desplechin, 2022), mas também, cerca de trinta minutos depois, Uma Bela Manhã (Mia Hansen-Løve, 2022). Nem sequer houve tempo para jantar, mas valeu totalmente a pena, porque são dois filmes excelentes – e muito corajosos, cada um à sua maneira. Desplechin não hesitou em enfrentar dramaticamente as forças negras e negativas que ligam e separam algumas pessoas, realizando um filme de uma intensidade e tensão impressionantes, também por abdicar de propor qualquer explicação narrativa para o conflito no centro do enredo. Mia Hansen-Løve aborda de frente um tema importantíssimo para todos nós, mas que não tem sido muito explorado no cinema: a reacção dos filhos perante a velhice, a doença e a morte dos pais. Enquanto o filme de Desplechin se desenvolve num plano quase mítico, o de Hansen-Løve, como é típico da obra da realizadora, situa-se na vida quotidiana da protagonista, Sandra Kienzler (Léa Seydoux), uma tradutora-intérprete que é filha de Georg Kienzler/Pascal Greggory, um professor de filosofia a quem é diagnosticada uma doença neurodegenerativa rara. Estamos habituados a que nos filmes de Hansen-Løve a vida continue, por muito difícil que isso seja: Sandra tem de trabalhar, andar de transportes públicos, ser mãe e resolver uma ligação sentimental problemática, enquanto lida não só com a dor e o luto antecipado causados pela doença do pai, mas também com as questões práticas associadas a este problema (por exemplo, a transferência do pai para diferentes lares temporários, ao sabor dos ditames da burocracia e das listas de espera). O alívio cómico do filme é assegurado pela mãe da protagonista (Nicole Garcia), com as suas aventuras no activismo e nas manifestações parisienses. Todo este contexto é abordado com uma honestidade desarmante e sem o menor sentimentalismo: a dada altura, a protagonista explica que encontra mais o pai nos livros dele do que no corpo afectado pela doença. Léa Seydoux é uma actriz tão requisitada no cinema actual, que às vezes, à semelhança do que aconteceu com alguém como Jeanne Moreau em determinada fase da sua carreira, nos cansa um pouco, mas neste filme tem uma prestação absolutamente inesquecível, conseguindo um equilíbrio entre o estoicismo e a racionalidade da personagem, por um lado, e as emoções que esta nem sempre consegue reprimir. A própria realizadora explicou que escolheu Pascal Greggory porque, sendo um actor rohmeriano e portanto associado às palavras no cinema, lhe interessava ver como ele resolveria o problema de uma personagem que perde as palavras; o histrionismo seria uma solução fácil, mas, felizmente, não estamos no cinema americano. Desplechin e Hansen-Løve são dois realizadores que, mesmo tendo um guião idêntico, fariam um filme totalmente diferente. Ambos, no entanto, mostram que trabalhar questões próximas da autobiografia ou da autoficção é, não um exercício solipsista e ocioso, mas sim usar o cinema como instrumento de verdade para reflectir sobre os assuntos mais importantes.

Outros filmes de Mia Hansen-Løve no Cinéfilo Preguiçoso: Éden (2014); L'Avenir (2016); Maya (2018); A Ilha de Bergman (2021).