O
filme Maya, de Mia Hansen-Løve (2018), teve recentemente uma passagem
breve pelas salas de cinema, que o Cinéfilo Preguiçoso lamentou ter perdido,
mas já está disponível nos videoclubes das operadoras de comunicações. Apesar
de ter como protagonista um repórter de guerra francês resgatado depois de ter
sido feito refém na Síria, esta sexta longa-metragem de Mia Hansen-Løve não é
muito diferente dos outros filmes da realizadora, no seu interesse pela vida
quotidiana de personagens que tentam recuperar depois de passarem por um acontecimento
doloroso ou marcante. Como outros protagonistas desta realizadora, Gabriel não aprecia
dramatismos; em vez de fazer psicanálise ou tentar escrever um livro sobre a
experiência, situações em que teria de repisar e remoer o passado, opta por
passar uns tempos na Índia, país onde já tinha vivido na infância. Se Maya
fosse um texto, teria muitas descrições de espaços e poucos momentos
narrativos. Parece, aliás, um filme apostado em contrariar correntes narrativas
tradicionais: inicialmente pensa-se que contará uma história sobre os traumas
da guerra; depois que será sobre uma viagem de regresso às origens; por fim,
julga-se que a história de amor que se começa a esboçar a meio do filme será o
mais importante. Nenhuma destas hipóteses se confirma. O grosso de Maya acompanha
num registo tranquilo os percursos e as estadias do protagonista, mas evitando
os lugares-comuns turísticos, na medida em que prefere prestar atenção ao olhar
das personagens. Em Goa, Gabriel conhece Maya, uma rapariga que parece ao mesmo
tempo muito jovem e muito antiga, com quem estabelece uma conexão sentimental,
apesar de nela haver sempre o impulso para ficar, enquanto ele se caracteriza
pela vontade de partir. Pensamos que haverá algum confronto entre estas duas
forças, mas o final é calmamente surpreendente. Não conseguimos compreendê-lo
imediatamente, mas talvez queira dizer que quando alguma actividade (neste caso,
o jornalismo de guerra) interessa realmente a alguém, vai interessar sempre,
sobrepondo-se a tudo o resto. Neste filme, é como se Hansen-Løve sugerisse que o
cinema não é omnipotente e que, às vezes, o dever do realizador é acompanhar as
personagens sem forçar a pretensão de mostrar episódios marcantes e decisivos,
limitando-se a sugerir uma transformação interna inacessível a partir do
exterior. Esta humildade contrasta agradavelmente com a longa tradição do (mau)
cinema que procura equivalentes visuais e narrativos bombásticos para ilustrar
a evolução psicológica dos protagonistas.