O Cinéfilo Preguiçoso admira muito a realizadora britânica Joanna Hogg. Por isso, não perdeu a estreia portuguesa do seu filme mais recente, no festival IndieLisboa. The Eternal Daughter (2022) pode ser visto como um prolongamento do díptico The Souvenir (2019 e 2021), que tem como protagonista uma realizadora em início de carreira. Em The Eternal Daughter, também temos uma realizadora chamada Julie, mas numa fase posterior da sua vida; aloja-se num hotel com a mãe, com a intenção dissimulada de fazer um filme sobre ela. Tilda Swinton assume os papéis da mãe e da filha, num desdobramento que acaba por não parecer estranho graças ao talento enorme desta actriz e ao trabalho sóbrio de realização e montagem: as duas personagens são mostradas em planos alternados, sem artifícios visuais, de forma convincente e fluida. O espaço do hotel é explorado com uma precisão e intensidade dramática que já víramos, por exemplo, no notável Exhibition (2013). Do ponto de vista estético, o que distingue The Eternal Daughter de filmes anteriores desta cineasta é, acima de tudo, a atmosfera feérica, próxima dos filmes de terror. O hotel, misteriosamente desprovido de hóspedes, faz lembrar o de The Shining (Stanley Kubrick, 1980), numa versão mais pequena e com um tratamento visual e acústico que nos aproxima dos romances góticos. Nota-se uma aparente simplicidade estilística, que contrasta com a riqueza de recursos formais e a profusão de camadas narrativas que caracterizam os dois The Souvenir. A acção do filme resume-se quase inteiramente a diálogos entre mãe e filha, menções às memórias evocadas pelas salas do hotel, onde a mãe morou durante a infância, e excursões nocturnas pelos corredores ou no exterior, com ou sem Louis, o cão. Além da recepcionista – comicamente lacónica –, a única personagem adicional que vemos é Bill, um funcionário do hotel (o actor shakespeariano Joseph Mydell). Este tem longas conversas nocturnas com Julie sobre o sentimento de perda que partilham, devido à morte recente de parentes próximos, a que acresce a iminência da perda da própria mãe da protagonista, que paira em permanência sobre um filme que pode ser visto como a encenação de uma despedida. Os momentos mais conseguidos são precisamente os diálogos e as emoções que revelam. Num filme que é relativamente linear e isento de sofisticação, sobressaem tanto a contenção emocional e a melancolia das interacções entre Bill e Julie como também a angústia, quase regressiva, latente na atitude de uma filha desesperada por não conseguir fazer o filme que pretende – que considera o único meio ao seu alcance para preservar a memória da mãe. Surpreende, da parte de uma realizadora que nos habituou a um olhar rigoroso e lúcido sobre a realidade das relações humanas, esta deriva num ambiente de fantasmagoria, aparições e recordações intangíveis. Será interessante verificar se se tratou de uma vez sem exemplo, ou se The Eternal Daughter é um ponto de inflexão no percurso artístico de Joanna Hogg.
Outros filmes de Joanna Hogg no Cinéfilo Preguiçoso: Unrelated (2007), Archipelago (2010), Exhibition (2013), The Souvenir (2019), The Souvenir Part II (2021).