11 de junho de 2023

The Reckless Moment

Integrado no ciclo dedicado à actriz Joan Bennett que decorre na Cinemateca, The Reckless Moment (1949) foi o último filme realizado por Max Ophüls na América. Lucia Harper, a personagem principal, é uma mãe de família californiana que, na ausência prolongada do marido, tem de gerir a casa onde vive com os filhos e o sogro. A vida burguesa desta família é abalada pelo envolvimento romântico da filha adolescente com um homem mais velho de moral duvidosa, que sofre uma morte acidental depois de uma discussão com ela. Lucia passa o resto do filme a tentar proteger a filha das consequências deste evento, o que implica tentar ocultar o cadáver e lidar com um chantagista (James Mason), por quem acaba por se apaixonar. Como se pode ver por este resumo, o argumento, baseado num romance de Elisabeth Sanxay Holding, não prima pela verosimilhança. Nem parece que isso tenha sido um problema para Ophüls, que está mais interessado em explorar as potencialidades desta situação estranha (uma mulher normal obrigada a conjugar os deveres domésticos com a dissimulação de um crime) do que em tornar credíveis as motivações das personagens. The Reckless Moment é mais uma prova da extraordinária capacidade deste realizador de manter o seu toque pessoal ao longo de uma carreira que, não tendo sido muito longa devido à sua morte prematura, se estendeu por cinco países e foi rica em peripécias e contratempos. O filme permite-lhe explorar um dos seus temas de predilecção: uma personagem feminina com acções guiadas exclusivamente pela intenção de preservar um segredo, por orgulho ou necessidade, o que a leva a parecer uma sonâmbula que age maquinalmente, num mundo completamente alheio àquilo que ela sente e sabe. Neste sentido, Lucia está próxima das personagens de Edwige Feuillère em Sans Lendemain (1939) e de Joan Fontaine em Carta de Uma Desconhecida (1948). Ophüls é conhecido pela maneira magistral como explora os espaços interiores; numa das folhas da Cinemateca, João Bénard da Costa fala das escadas como uma das principais figuras de retórica deste realizador. Isso é muito visível em The Reckless Moment: os diferentes níveis e divisões da casa de família são explorados de modo a realçar o contraste entre o enredo de film noir e o ambiente de sitcom familiar, pontuado por pequenas discussões domésticas e preparativos das refeições. Este contraste faz com que a casa quase pareça mais sinistra do que outros ambientes mais directamente associados à sordidez do crime e da chantagem, como o pântano onde Lucia submerge o cadáver, ou a casa do lago onde decorrem os encontros com aqueles que tentam extorquir-lhe dinheiro em troca das cartas que a filha escreveu ao amante morto. Há muito para ver e haveria muito para dizer ainda sobre The Reckless Moment, mas fiquemo-nos por isto: o Cinéfilo Preguiçoso saiu da sala perplexo com o facto de este ter sido considerado um Ophüls “menor”. É certo que se pode argumentar que o filme não nos leva aos patamares estratosféricos de, por exemplo, Le Plaisir (1952), mas quem dera a muitos realizadores, alguns deles adulados como génios, que o melhor dos seus filmes fosse comparável ao menos bom de Ophüls.
 
Outros filmes de Max Ophüls no Cinéfilo Preguiçoso: Divine (1935); Yoshiwara (1937); Sans Lendemain (1939); Carta de Uma Desconhecida (1948); La Ronde (1950); Le Plaisir (1952).