Depois de A Paixão de Swann (1984) e Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro (2017), o Cinéfilo Preguiçoso continua interessado em descobrir filmes que tenham a ver, mais ou menos directamente, com a obra de Marcel Proust. All the Vermeers in New York (1990), visto esta semana graças à Internet, é uma das longas-metragens mais conhecidas de Jon Jost, um realizador que pode ser classificado dentro do cinema dito “experimental”, mas que também criou filmes, como este, mais próximos do cinema comercial e narrativo. As personagens principais são Anna, uma francesa aspirante a actriz, e Mark, um corretor financeiro solitário que visita frequentemente os museus nova-iorquinos (Metropolitan e Frick) onde pode contemplar os quadros de Vermeer, com o objectivo de esquecer a monotonia e a pressão do trabalho. Um pouco como Swann, na Recherche, Mark fica obcecado com Anna devido a uma pretensa semelhança fisionómica entre ela e as mulheres retratadas por Vermeer, apesar de essa semelhança parecer bastante ténue. Do encontro entre ambos pouco resulta de concreto, ou pelo menos pouco nos é mostrado, além de algumas conversas superficiais e um pedido de ajuda financeira por parte de Anna. A obra de Vermeer não parece ter um impacto muito profundo em nenhuma das personagens. Anna, que navega na vida sem qualquer investimento emocional e interfere na vida das pessoas que se cruzam com ela, limita-se a contemplar os quadros; quanto à relação de Mark com Vermeer, reduz-se ao culto do escapismo e do ideal de beleza feminina que o leva a abordar Anna. No final do filme, Mark sofre um colapso depois de uma última visita aos Vermeers, o que pode resultar do excesso de trabalho, mas também ser a concretização, na vida real, do episódio da Recherche (lido por Anna) em que o escritor Bergotte desfalece e morre depois de contemplar o famosíssimo fragmento de fachada amarela do quadro Vista de Delft. O filme inclui sequências que podem ser encaradas como críticas aos meios da alta finança e das galerias de arte e que contribuem para mobilar um enredo esparso, deliberadamente carente de desenvolvimento e espessura, mas onde não faltam cenas que remetem para muitas centenas de filmes baseados em encontros românticos: já vimos tantas personagens a cruzarem-se por acaso em museus, a visitarem terraços de arranha-céus, a serem separadas pelas contingências da vida! All the Vermeers in New York mostra-nos como a pintura resiste à mercantilização, aos exames distraídos por parte de visitantes ocasionais, às obsessões caprichosas e até aos movimentos de câmara lentos e deliberados de Jon Jost. Na Recherche, Bergotte morre a lamentar-se por não ter escrito como Vermeer pintou a Vista de Delft. A arte pode ajudar-nos a viver as nossas vidas, mas existe num plano distinto da vida. Anna regressa a França; talvez desista de ser actriz, ou talvez não. Os quadros permanecem expostos e continuarão a oferecer diferentes significados a quem se detiver a contemplá-los.