Há algum tempo já que o Cinéfilo Preguiçoso queria ver o documentário Tokyo-Ga (Wim Wenders, 1985) e este fim-de-semana, por acaso, encontrou-o no Filmin. Em 1983, Wim Wenders viajou para o Japão com o objectivo de filmar diferentes contextos e entrevistar algumas pessoas, em busca do que poderia restar do cineasta Yasujiro Ozu no seu país. Entre os entrevistados, está Werner Herzog, de passagem por Tóquio, que salienta que só através de uma arqueologia profunda do país será possível encontrar algum vestígio das imagens transparentes de Ozu (e que ele próprio estaria disposto a subir dez quilómetros para as encontrar). Em voz-off, Wenders responde ironicamente que, se encontrar alguma coisa, terá de ser nas cidades, já que não pretende subir tão alto. Esta divergência fundamental entre dois cineastas da mesma nacionalidade e geração é um dos momentos mais memoráveis do filme. Nos sítios por onde passa, Wenders não encontra realmente muitos vestígios de Ozu. Deixa-se fascinar por algumas idiossincrasias japonesas, como as máquinas de pachinko, o interesse obsessivo pelo golfe, a comida artificial que os restaurantes têm nas montras para anunciarem os pratos que servem e a influência americana na juventude, mas não encontra Ozu, a não ser nos comboios que atravessam a paisagem e num miúdo indisciplinado em que repara numa estação. O comentário em voz-off, cheio de lugares-comuns, expressa essa desorientação e faz notar que Wenders colaborou com excelentes escritores, como Peter Handke e Sam Shepard, mas, por si só, não é um bom escritor. Os momentos mais interessantes de Tokyo-Ga acabam por ser as entrevistas a dois antigos colaboradores de Ozu: o director de fotografia Yuharu Atsuta e o actor Chishu Ryu. Graças a eles, ficamos a saber que os filmes de Ozu, apesar de girarem em torno de personagens com enorme serenidade e grande capacidade de aceitação da vida, resultam de uma abordagem perfeccionista que leva em conta os mais ínfimos pormenores e se baseia em numerosas considerações técnicas. Atsuta revela que ainda guarda religiosamente o cronómetro que Ozu accionava no início de todas as cenas que filmava. Ryu explica que chegou a ensaiar vinte vezes uma cena, depois filmada mais vinte vezes, até Ozu ficar satisfeito. Nas conversas com estes dois entrevistados ressalta também a humildade de toda a equipa de Ozu, que funcionava como uma máquina bem oleada graças à admiração que estes profissionais sentiam pelo realizador. Estas entrevistas, portanto, acabam por sugerir que se Wenders pouco encontra de Ozu no Japão que visita, isso também se deve ao facto de os filmes do realizador japonês serem obras de arte eximiamente trabalhadas e não reflexos realistas de uma sociedade ou de um país. Tokyo-Ga permite-nos pelo menos chegar a esta constatação, apesar de ser um documentário um tanto autoindulgente e desorganizado, que hesita entre o didactismo palavroso e uma subjectividade baseada na montagem de cenas sem comentário, à maneira de Frederick Wiseman.
Outros filmes de Wim Wenders no Cinéfilo Preguiçoso: A Angústia do Guarda Redes no Momento do Penalty (1972); Os Belos Dias de Aranjuez (2016).