19 de janeiro de 2020

A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty


Gravado na RTP2 e visto agora, o filme A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty (1972) marca o início da longa colaboração entre Wim Wenders, aqui a realizar a sua segunda longa-metragem, e o escritor austríaco Peter Handke, que colaborou no argumento e é o autor da novela com o mesmo título em que o filme se inspira. Vários elementos deste filme voltariam a ser explorados por Wenders em obras posteriores, sobretudo na década de 70, por exemplo em Alice nas Cidades (1974) ou Movimento em Falso (1975): a errância da personagem principal, a aleatoriedade dos encontros e situações, a fugacidade das relações humanas. Outro aspecto que já se encontra aqui são as referências cinéfilas, por vezes quase à beira do fetichismo: não se trata de referências explícitas, mas sim de elementos ou ambientes que se associam a géneros como o filme policial ou o road movie, como as omnipresentes jukeboxes. Em todos os filmes de Wenders paira a desilusão pelo facto de a vida ser menos interessante do que o cinema; neste, parecem reunidos os ingredientes para um policial excitante, com um crime, um culpado, um inquérito e a expectativa de saber se o criminoso será capturado; esta expectativa, no entanto, vai-se gorando com o correr do tempo (para citar um título do próprio Wenders). O tédio e a inconsequência invadem o enredo; o espectador vê-se perante um objecto difícil de classificar. A intriga cabe numa frase (um guarda-redes, depois de ser expulso de um encontro, deambula por Viena, estrangula uma mulher e viaja até uma aldeia onde restabelece o contacto com uma antiga namorada). Não há o mínimo esboço de exploração psicológica; não há clímax nem evolução. Alguns pormenores bizarros (como uma misteriosa queda de abóboras) sugerem uma alienação psíquica da personagem, mas são demasiado esparsos para sustentarem leituras baseadas em perturbações mentais, sonhos ou visões do protagonista. A metáfora futebolística enunciada por este, que descreve o guarda-redes como alguém à margem do jogo (ou da vida) cuja missão é antecipar as intenções dos outros jogadores e que por isso pode dar a impressão de agir erraticamente e sem iniciativa, tanto pode ser um ponto de partida para uma análise do filme como não passar de mais uma pista falsa. O interesse do filme A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty reside sobretudo na sua recusa de ser aquilo que poderiam esperar dele. Esta recusa, porém, está longe de ser uma desresponsabilização criativa ou uma abdicação: funciona como uma redução ao absurdo cheia de potencial criativo, como se comprovou em muitas das obras que Wenders (com ou sem Handke) realizou ao longo da carreira.

Sobre outro filme resultante da colaboração entre Wenders e Handke: Os Belos Dias de Aranjuez (2016).