Baseado na peça com o mesmo título de Peter Handke,
Os Belos Dias de Aranjuez, de Wim
Wenders (2016), apresenta-nos o dispositivo simples de um escritor (Jens
Harzer) tentando escrever, rodeado de livros numa casa nos arredores de Paris. No
jardim, em torno de uma mesa com uma maçã vermelha e dois copos de limonada,
estão sentadas as suas personagens: uma mulher e um homem, com um cão aos pés. O
filme resume-se essencialmente aos diálogos da peça, representados quase em
simultâneo com o momento em que ocorrem ao autor e interrompidos ocasionalmente
por canções provenientes de uma jukebox. A dada altura, Nick Cave interpreta ao
piano a balada «Into My Arms», numa aparição que nos remete para As Asas do Desejo (1987) – outro capítulo
da colaboração entre Wenders e Handke, que já dura há décadas, embora com
muitas intermitências. A personagem feminina (Sophie Semin) descreve as suas
aventuras amorosas ao longo do tempo, de certo modo satisfazendo o voyeurismo
da personagem masculina (Reda Kateb), que nada refere da sua experiência nos
mesmos assuntos, tendo apenas algumas intervenções que consistem em perguntas à
mulher ou divagações poéticas mais gerais. Visto que Os Belos Dias de Aranjuez depende do discurso da
protagonista, um espectador que não se sinta próximo nem da linguagem etérea e
abstracta de Peter Handke nesta peça nem do tom teatral e solene com que o
texto é enunciado sentirá algumas dificuldades de adesão, apesar da beleza
visual do filme. O fim ocorre em tom apocalíptico, sugerindo que talvez o tempo
em que é possível ter conversas deste teor esteja ameaçado, prestes a
acabar, ou já tenha mesmo acabado. Em suma, Os
Belos Dias de Aranjuez distingue-se no panorama cinematográfico actual por
ser uma combinação curiosa de minimalismo e exploração formal (incluindo o recurso ao
3D), nem sempre bem conseguida. Para quem quiser evitar os blockbusters e o
caos desta época do ano, pode, no entanto, ser uma boa opção.
Nas próximas duas semanas, o Cinéfilo
Perigoso estará em modo de pausa. Bom Natal e feliz ano novo para todos.