No
filme Ramiro (Manuel Mozos, 2017)
encontramos uma Lisboa que tem andado esquecida ou desaparecida: pouco
turística, lenta, lacónica, desanimada, nada produtiva. À semelhança do que se
verifica em Paterson (Jim Jarmusch,
2016), o filme acompanha o ritmo repetitivo das conversas de ocasião, dos
encontros pouco emocionantes e da rotina sem acontecimentos do seu
protagonista. A recusa deste, um alfarrabista e escritor obscuro chamado
Ramiro, de publicar má poesia tem como pares uma vizinha que reaprende a falar
depois de um AVC enquanto cuida da neta adolescente e grávida, uma professora
do ensino secundário, frequentadores de alfarrabistas, funcionários rabugentos
de gráficas e um cão chamado Ortigão. Ramiro segue com mais interesse a
história misteriosa do presidiário que é filho da vizinha do que a actualidade
literária; finge não ter para venda livros de um autor na moda que despreza, e
vai para um jardim, à noite, declamar para os patos os poemas de um escritor morto
que admira. Os pontos altos da narrativa são a compra de uma biblioteca de coleccionador
a preço acessível, a venda de uma edição rara por 250 euros, o nascimento do
filho da adolescente, além do roubo e reencontro, na feira da ladra, perto do fim do filme, do caderno de poemas, que não
sabemos se publicará ou não. Um
realizador mais inexperiente e inseguro teria tentado ser mais exibicionista,
parecer mais engraçadinho, exagerar no saudosismo ou inserir um rasgo ou momento mais dramático aqui e ali; Mozos está mais preocupado em simplesmente
mostrar o que não costuma aparecer (tal como o fazia, num registo bem
diferente, no magnífico documentário Ruínas,
de 2009). A personagem principal, aparentemente apática e carente de ambição, termina
o filme como começou: com uma relação sentimental estável mas não isenta de
problemas, laços de amizade e vizinhança sólidos e um ganha-pão que parece algo
precário mas chega para subsistir. A vida em redor, contudo, fluiu
inexoravelmente. É esse fluxo que Mozos nos dá a ver: um fluxo potente e
silencioso como o caudal de água filmado em grande plano, a dada altura, que é descrito
como capaz de arrancar pedras do leito por onde corre.
Este
ano, por motivos logísticos, a pausa pascal do Cinéfilo Preguiçoso terá de ser
mais longa e começa esta semana. Se tudo correr bem, no entanto, voltaremos
depois da Páscoa.