Manuel Mozos tem, ao longo da sua carreira, explorado em paralelo os registos documental e ficcional. Lisboa no Cinema – Um Ponto de Vista (1994), visto no videoclube de uma operadora de telecomunicações, confirma algumas das características típicas dos seus documentários, visível também em filmes como Ruínas (2009) e João Bénard da Costa: Outros Amarão as Coisas que eu Amei (2014): ausência de qualquer tentativa de impor uma tese rígida, capacidade de organizar imagens, textos e depoimentos de maneira a explorar, de forma quase narrativa, o tema tratado. É difícil alcançar o equilíbrio entre o respeito pelo material e pelos intervenientes do documentário, por um lado, e a inevitável perspectiva pessoal inerente ao ofício de realizador, por outro: aliás, o Cinéfilo Preguiçoso já teve oportunidade de se manifestar sobre outro documentário de Mozos, Sophia, na Primeira Pessoa (2019), onde o cineasta se apaga excessivamente perante a pessoa retratada. Em Lisboa no Cinema – Um Ponto de Vista, o objectivo é ilustrar e discutir a maneira como Lisboa tem sido filmada por várias gerações de realizadores, desde as comédias populares de Ribeirinho e Vasco Santana até aos anos 90. Sucedem-se os excertos de filmes, intercalados por entrevistas com um rol de cineastas que parece um “Who’s Who” do cinema português (ou, mais exactamente, lisboeta) do pós-25 de Abril. Inevitavelmente, são levantadas questões do foro arquitectónico, sociológico e político cujo aprofundamento exigiria um filme muito mais longo. Torna-se rapidamente claro que este não é um documentário “sobre Lisboa”, mas sim sobre as escolhas, tendências e constrangimentos que influenciaram a maneira como Lisboa foi filmada, ao longo das décadas. É, por exemplo, curioso notar a predilecção por personagens e ambientes da classe popular, bem como a coexistência de edifícios degradados com exemplos de urbanismo pujante (como o Instituto Superior Técnico, novo em folha, em Maria Papoila). Serão estas opções gestos artísticos, ou simples reflexos da natureza da cidade? Esse trabalho de especulação fica ao cuidado do espectador; o de Mozos conclui-se quando encerra o documentário com cenas de despedida, da mesma maneira que o encetou com cenas de chegada à cidade que, em pouco mais de meio século, passou de capital do Império a capital de um país pequeno e periférico, em tensão permanente entre o peso da História e o futuro, entre os segredos e a tentação de se abrir ao exterior. Que bom seria se este filme, que resultou de uma encomenda no âmbito da Lisboa Capital da Cultura, fosse continuado nos dias de hoje, permitindo mostrar tudo o que se transformou entretanto, no cinema e na cidade. Fica a sugestão.
Outros filmes de Manuel Mozos no Cinéfilo Preguiçoso: Ramiro (2017), Sophia, na Primeira Pessoa (2019).