8 de maio de 2022

The Souvenir Part II

Quando o Cinéfilo Preguiçoso soube que o filme The Souvenir Part II (Joanna Hogg, 2021) iria passar no IndieLisboa, apressou-se a comprar bilhetes para a sessão, com receio de que esgotassem. A precaução foi inútil, pois o Grande Auditório da Culturgest estava quase vazio. Custa a perceber. Joanna Hogg afirmou numa entrevista que, na sua carreira, a transição da televisão para o cinema foi acompanhada pela decisão de fazer exactamente o que queria, em vez de se deixar condicionar por modas e convenções e de fazer o que outros lhe diziam. O díptico formado por The Souvenir (2019) e The Souvenir Part II, fortemente autobiográfico, pode ser visto como uma ilustração do percurso pessoal que a conduziu à maturidade e à liberdade criativa. Na primeira parte, assistimos aos primeiros passos de Julie (Honor Swinton Byrne) na escola de cinema e à sua relação com o misterioso e errático Anthony (Tom Burke). Na segunda, Julie divide-se entre a tentativa de compreender melhor quem era, afinal, o ex-namorado, que entretanto morreu de overdose, e a realização do filme de final de curso. Não há resoluções satisfatórias e tradicionais para estes problemas. Anthony permanece tão enigmático e opaco depois da morte como era em vida, apesar dos esforços de Julie para interrogar os seus próximos sobre a natureza dele e sobre os acontecimentos que precipitaram a sua morte. Quanto ao filme, objecto de críticas e cepticismo por parte dos professores e colegas durante o planeamento e rodagem, é concluído e exibido, mas nunca temos acesso a ele: em vez disso, vemos uma sequência entre o surreal e o onírico, que começa com uma referência pictórica ao quadro de Fragonard que dá o nome ao filme, e culmina na morte de Anthony simbolicamente perpetrada pela própria Julie. Esta sequência, não isenta de ingenuidade e exageros obviamente deliberados, pode ser vista como uma amostra do filme que a personagem realizaria se filmasse a vida tal como a vê enquanto artista, e não a vida como esta se desenrola, para parafrasearmos um diálogo que tem com os professores. Porém, as duas partes de The Souvenir também podem ser vistas como um fechar de círculo: ao fim de muitos anos, a realizadora que Hogg se tornou já adquiriu as ferramentas que lhe permitem realizar um filme autobiográfico, sem receio de explorar registos mais convencionais do que em obras anteriores, servindo-se de convenções narrativas mas sem ceder a estas. É impossível, em poucas linhas, fazer plena justiça a um filme tão rico, tão inteligente e tão cuidado do ponto de vista estético. Limitemo-nos a concluir reiterando que Hogg é uma das revelações mais notáveis do cinema mundial dos últimos dez ou quinze anos e que os poucos espectadores que passaram uma agradável noite de Maio dentro de uma sala de cinema obtiveram mais uma confirmação desta evidência. De certeza que não se arrependeram.
 
Outros filmes de Joanna Hogg no Cinéfilo Preguiçoso: Unrelated (2007), Archipelago (2010), Exhibition (2013), The Souvenir (2019).