Uma
das descobertas mais interessantes do Cinéfilo Preguiçoso em 2019 foi a obra de
Joanna Hogg. Todos os filmes desta realizadora inglesa revelam uma grande
atenção ao espaço: as paisagens da Toscana em Unrelated (2007) e a
natureza agreste das ilhas Scilly de Archipelago (2010), mas também
interiores de casas ocupadas temporariamente por grupos de personagens com
dinâmicas complexas. Talvez em Exhibition (2013), a sua terceira
longa-metragem, esta dimensão seja explorada mais sistematicamente, estudando-se
o modo como a relação de um casal de artistas é estruturada por uma casa – um
edifício em Kensington desenhado pelo arquitecto James Levine, com algumas
transformações, como uma escada em caracol, acrescentadas no fim do século XX.
No início do filme, H/Liam Gillick convence a relutante D/Viv Albertine a pôr à
venda a casa onde ambos vivem há quase vinte anos. O filme acompanha não só o
processo de venda, com toda a agitação que lhe está associada (conversas com agentes
imobiliários, discussões com amigos sobre o assunto, algumas visitas de futuros
compradores, arrumações para a mudança, festa de despedida), mas também o
período em que D começa a preparar uma exposição/performance que implica
experimentar várias posições do corpo no seu gabinete de trabalho e noutros espaços
da casa. É o terceiro filme em que Joanna Hogg trabalha com o designer de som
Jovan Adjer, que desempenha um papel determinante na caracterização do interior
do edifício (portas e persianas a serem abertas e fechadas, passos pelos
gabinetes e pelas escadas, telefonemas de um piso para o outro), em contraste
com o exterior (trânsito, perigo e imprevisibilidade). Um dos motivos de
dissensão do casal baseia-se no facto de D se recusar a expor-se e a
entregar-se a H, apesar de se expor na sua actividade artística. Visto que a
venda da casa parece desencadear uma espécie de libertação ou flexibilização da
relação das duas personagens, podemos dizer que o filme propõe que o desejo de
mudar de vida às vezes se articula com o desejo de mudar de casa. Como é
habitual em Hogg, esta ideia é explorada de forma subtil e formalmente
sofisticada, exigindo total atenção por parte do espectador. Apesar de não se
aproximar minimamente do registo de um tratado de filosofia, Exhibition
seria decerto do agrado de Gaston Bachelard, autor do excelente A Poética do
Espaço.
O
Cinéfilo Preguiçoso regressará em Janeiro. Boas festas para todos.