Esta
semana, em vez de uma estreia recente, o Cinéfilo Preguiçoso decidiu ver The Shining (Stanley Kubrick, 1980) em
DVD. Neste filme, baseado no romance homónimo de Stephen King (1977), Jack
Torrance (Jack Nicholson), com o objectivo de encontrar a concentração necessária
para escrever, aceita o cargo de encarregado de manutenção de Inverno de um
hotel no Colorado que encerra durante essa estação. Apesar dos avisos, Jack
Torrance não está preparado para o isolamento que se instala quando o hotel
fecha e os únicos habitantes passam a ser ele, a mulher e o filho pequeno, uma
criança com competências paranormais que incluem telepatia e a capacidade de
ver o passado e o futuro. O labirinto no jardim do hotel espelha a estrutura labiríntica do edifício, que, por sua vez, parece replicar a própria desorientação
do protagonista, perdido dentro de si mesmo. A dada altura, as fronteiras entre
o real e o imaginário diluem-se em sangue e as personagens supostamente reais
começam a cruzar-se com fantasmas mais ou menos maléficos que teriam povoado o
hotel no passado, alguns deles parecendo vir de um filme que Kubrick só
realizaria no futuro (De Olhos Bem
Fechados, 1999). Impondo um ritmo
lento que lembra 2001: Odisseia no Espaço
(1968), Kubrick delicia-se a filmar os corredores intermináveis do hotel
desocupado, pelos quais de vez em quando passam figuras humanas diminutas, tanto dos
próprios protagonistas como de outras criaturas, imaginadas ou não. A banda
sonora de The Shining (Penderecki,
Ligeti, Bartók…) é adequadamente sinistra, por vezes de forma exagerada,
contribuindo para que o filme seja não só assustador mas também faça rir de vez
em quando – nem sempre um riso agradável. Podemos imaginar que todos os
horrores do hotel representam as dificuldades com que um escritor se debate quando
tem de trabalhar num livro. Já houve também quem dissesse que The Shining é um filme sobre o cinema, cujas
personagens sonham as peripécias em que participam. Uma das ilustrações desta teoria é a
sequência em que Jack se dirige ao bar vazio do hotel e imagina ou convoca todo um
conjunto de clientes e funcionários. Também é nesta cena que o protagonista supostamente
contacta com um seu antecessor, que lhe proporciona a estranha revelação de que
o próprio Jack terá estado sempre ali – faz parte do elenco do Hotel Overlook. A
força de The Shining reside em não se
levar demasiado a sério e em não procurar impor explicações ou leituras,
deixando essa tarefa, espinhosa e estimulante, para o espectador. Também nisto The Shining se aproxima de De Olhos Bem Fechados.