A dada altura, no filme Minha Mãe, de Nanni Moretti (2015),
Margherita (a personagem da realizadora, representada por Margherita Buy)
explica a uma actriz atónita: “Não quero ver só a personagem; também preciso de
ver a actriz.” Talvez seja mais fácil compreender esta afirmação se pensarmos
nas figuras principais de Minha Mãe:
dois filhos que vão perder a mãe. Até aqui, na obra de Moretti, o realizador
representou sempre, se não o papel do protagonista, pelo menos alguém cujos
comentários ou intervenções eram essenciais para o desenrolar da acção. Neste
filme, em contraste, a sua personagem apaga-se e mantém-se em silêncio durante
a maior parte do tempo. A vertente verbal das crises cabe a Margherita,
personagem que parece ter sido fabricada precisamente para que Nanni
conseguisse ouvir-se e ver-se a si próprio não só como realizador, mas também
como filho em luto, replicando e clarificando o desdobramento sugerido na
direcção de cena por Margherita. Num filme luminoso como Querido Diário (1993), Nanni Moretti
enfrentava a possibilidade da própria morte com um sentido de humor e uma
intensidade que acentuavam a beleza da vida. Em Minha Mãe, no entanto, a perda lança as personagens numa crise que
as leva a pôr em questão a sua própria existência: a realizadora questiona o modo como se
relaciona com as pessoas, enquanto o irmão, representado pelo próprio Moretti,
decide abandonar o emprego. Mesmo a componente cómica do filme (relacionada
principalmente com a actuação de John Turturro – por sinal um dos mais
subaproveitados actores de Hollywwod – como actor no filme dentro do filme)
contribui para acentuar a melancolia e a sensação de incapacidade de lidar
tanto com as pequenas como com as grandes catástrofes da vida. Estamos muito
longe do histrionismo egocêntrico de filmes como Sonhos de Ouro (1981) ou Palombella
Rossa (1989), centrados na personagem recorrente de Michele Apicella, mas
mantém-se como denominador comum a tentativa de mostrar as neuroses e
ansiedades de personagens colocadas perante o desafio de lidar com as
expectativas daqueles que as rodeiam.