28 de abril de 2024
Dança Primeiro
21 de abril de 2024
Passages
Será que, em Portugal, Passages (Ira Sachs, 2023) não vai estrear em sala? Por via das dúvidas, como gostou muito de ver O Amor É Uma Coisa Estranha (2014) e Homenzinhos (2016), do mesmo realizador, o Cinéfilo Preguiçoso decidiu ver este filme em DVD. Se os dois títulos referidos deixam os espectadores com a sensação de que assistem à vida em si, Passages leva esta ideia muito mais longe. Em Tomas (Franz Rogowski), temos uma personagem que é puro desejo em movimento – uma força da natureza. As cenas longas em que Tomas percorre as ruas de Paris de bicicleta ilustram bem a dinâmica do filme. Oscilando entre o marido (Martin/Ben Whishaw) e uma mulher (Agathe/Adèle Exarchopoulos) com quem começa a relacionar-se numa discoteca, Tomas, realizador de cinema, espalha a infelicidade e a insatisfação em seu redor. Mais do que hesitação, estas oscilações parecem sugerir o desejo de fazer coexistir na sua vida o amor de Martin e Agathe, sem que um exclua o outro. O realizador explora toda esta fluidez, assim como a inevitável frustração de Tomas, filmando as personagens em situações desconfortáveis, mas sem grandes excessos melodramáticos nem preocupações psicológicas ou moralizantes: vemos simplesmente as acções de Tomas e as reacções das outras personagens. O filme depende muito da linguagem corporal dos actores e da capacidade destes de comunicarem sem palavras. Numa entrevista, Sachs falou da influência de John Cassavetes. Ao contrário do que se passa no cinema de Cassavetes, porém, as personagens de Sachs não passam muito tempo a reflectir sobre a sua própria definição. Passages é um filme forte e com um impacto visual que não será fácil esquecer, mas deixa a sensação de que beneficiaria com o desenvolvimento da componente reflexiva das personagens e com a atribuição de mais tempo e espaço aos actores para comporem as suas personagens.
14 de abril de 2024
Retrato de Família com Teatro de Marionetas
7 de abril de 2024
Ursos Não Há
De certeza que poucos realizadores contemporâneos terão reflectido sobre a importância do acto de filmar e, por extensão, do próprio cinema, com a urgência e a intensidade de Jafar Panahi. Mesmo depois de ter sido proibido de filmar pelo governo iraniano, em 2010, Panahi continua a realizar e fá-lo com uma liberdade de pensamento e uma ironia surpreendentes, tendo em conta o contexto que o condiciona e os perigos a que se expõe. Em Ursos Não Há (2022), Panahi assume mais uma vez a sua própria personagem: um realizador de meia-idade cordial e cheio de boa-vontade, mas perplexo com as complicações, regras e tradições que dificultam a vida das pessoas e lhes desgastam a vontade de viver, a ponto de conduzirem a desfechos trágicos. A personagem de Panahi instala-se numa aldeia isolada, com acesso limitado à rede telefónica e à Internet, perto da fronteira com a Turquia, para realizar à distância um filme rodado neste país, inspirado pela história (que mais tarde percebemos ser «real») de dois exilados iranianos que procuram asilo em França. As actividades do realizador, com os seus aparelhos que captam imagens, são encaradas com desconfiança pelos aldeãos, que cultivam uma atitude simplória, mas esta situação torna-se problemática quando o primeiro, sem dar por isso, tira uma fotografia a um jovem casal que mantém uma ligação clandestina. Obviamente, esta aldeia, apesar dos contrastes explorados pelos seus habitantes em relação à vida na cidade, é um microcosmo que exprime as tensões que caracterizam todo o Irão: uma atmosfera concentracionária em que qualquer pormenor, por muito insignificante que pareça, é pretexto para o exercício de uma autoridade e de um controlo violentos e incompreensíveis, por meio da imposição de regras e convenções que já não fazem sentido para ninguém. A denúncia de Panahi aplica-se também às condições de vida dos exilados na Turquia, sugerindo que a arbitrariedade, o preconceito e a injustiça não são exclusivos do Irão. O título do filme vem de uma conversa entre o realizador e um desconhecido, que lhe explica que, apesar de os «ursos» que são invocados na aldeia para impedir as pessoas de fazerem determinadas coisas não existirem, são eficazes para inspirar medo, à semelhança do que se passa com os inúmeros rituais que já perderam há muito o seu significado, ou nunca o tiveram, mas continuam a ser cumpridos para ameaçar as pessoas. Ursos Não Há desenvolve-se num crescendo de tensão que mostra que tanto a fotografia como o filme dentro do filme, apesar de inicialmente parecerem apenas actividades artísticas, são afinal muito mais do que isso, na medida em que examinam e questionam a vida real e têm consequências que podem ser decisivas. Se há quem se interrogue sobre a importância do cinema nos tempos que correm, Panahi responde de modo inequívoco: sem cinema, não há vida; o cinema é indissociável da vida. Ursos Não Há recebeu o Prémio Especial do Júri no Festival de Veneza, em 2022. Esperemos que Panahi continue a poder fazer e mostrar os seus filmes, e que a liberdade criativa que, milagrosamente, tem conseguido preservar um dia se transforme em liberdade plena.
Outros filmes de Jafar Panahi no Cinéfilo Preguiçoso: O Círculo (2000); Táxi (2015); Três Rostos (2018).