27 de março de 2022
Mães Paralelas
20 de março de 2022
Jour après jour | Parle-moi encore | Méditerranée
Em Março, a Cinemateca apresenta um ciclo dedicado a Jean-Daniel Pollet (1936-2004), cineasta francês pouco conhecido entre nós que por vezes é associado à Nouvelle Vague, embora não fizesse parte do núcleo duro deste grupo. A obra de Pollet inclui, por um lado, filmes de ficção narrativos, associados ao realismo burlesco e quase sempre protagonizados por Claude Melki, seu actor-fetiche e, por outro, filmes-ensaio em que a montagem e as palavras em voz-off desempenham o papel mais importante. O Cinéfilo Preguiçoso começou por assistir à sessão que associou os filmes Jour après jour (real. Jean-Daniel Pollet e Jean-Paul Fargier, 2006) e Parle-moi encore (Jean-Paul Fargier, 2016), um episódio da série Cinéma, de notre temps dedicado a Pollet em que vemos vários excertos do filme comentados pelo próprio realizador e também por Fargier em voz-off. Jour après jour é um filme póstumo, concebido por Pollet, mas concretizado por Fargier a partir do álbum de imagens que o amigo deixou, depois de durante um ano ter tirado pelo menos uma fotografia por dia na sua quinta em Cadenet, no Sul de França. Depois de, em fins dos anos oitenta, Pollet ter sofrido um acidente em que foi colhido por um comboio quando se preparava para filmar, viu-se obrigado a canalizar para um espaço limitado o impulso para viajar e filmar espaços diferentes que antes caracterizava a sua obra. Neste filme, a reflexão sobre a passagem do tempo é exacerbada pela proximidade da morte. Diversos recantos do interior e do exterior da casa do realizador são fotografados pormenorizadamente, com grande atenção ao jardim, aos animais e à secretária, livros e outros objectos pessoais do realizador, ao som de um texto de Fargier, que, tentando imaginar o que pode passar pela cabeça de um cineasta a preparar o seu último filme, vai explorando uma lista de cinquenta palavras que Pollet lhe facultou. Jour après jour funciona, assim, como espécie de súmula dos filmes-ensaio de Pollet, usando as mesmas técnicas, mas com um centro de atenção mais concentrado. Entre os filmes de Pollet que estão disponíveis no YouTube, o Cinéfilo Preguiçoso ainda viu Méditerranée (1963), que, com um texto de Philippe Sollers enunciado em off, funciona também como uma reflexão sobre a memória e a passagem do tempo a partir dos espaços, pessoas e objectos associados a esta cultura e geografia. Neste filme, é bastante evidente a influência de Alain Resnais, sobretudo da curta Les Statues meurent aussi (1953) e de L’Année dernière à Marienbad (1961). A influência de Resnais é interessante por se tratar de um autor que também se dedicou ao documentário e à ficção, embora em fases diferentes da carreira, ao passo que Pollet manteve sempre as duas facetas. O próprio Pollet reivindica esta influência, salientando que pretende que a montagem dos seus filmes se aproxime das técnicas do nouveau roman, privilegiando relações de analogia e não de contraste. Para quem se interessa pelos temas do tempo e da memória e pela relação entre as palavras e as imagens, Pollet é, sem dúvida, um cineasta com uma obra que vale a pena conhecer.
13 de março de 2022
Diários de Otsoga
6 de março de 2022
Peeping Tom
Quando Peeping Tom (Michael Powell, 1960) passou recentemente na RTP Memória, o Cinéfilo Preguiçoso aproveitou para gravar. Actualmente é considerado um filme de culto, sobre o qual Martin Scorsese disse que, com Oito e Meio (Fellini, 1963), tem tudo o que há para saber sobre realização. Quando estreou, no entanto, Peeping Tom, suscitou choque e indignação, prejudicando muito a carreira do realizador no Reino Unido. O filme segue a história de Mark Lewis (Carl Boehm), um assassino movido pelo desejo de captar a expressão de medo das vítimas quando percebem que vão morrer. A partir desta situação, que se repete algumas vezes ao longo do filme, é explorada a ideia de que filmar e ver (ou ser espectador) são actos de voyeurismo. Esta ideia é reforçada, para não dizer repisada, através dos vários contextos a que o protagonista pertence: trabalha no cinema e supostamente prepara um documentário; faz fotografias obscenas para venda em quiosques; e é filho de um famoso biólogo que não só estudava o medo, usando o filho como cobaia das suas experiências, que incluíam fazer filmes, como também oferece ao filho a sua primeira máquina de filmar. Em alguns momentos, Mark chega mesmo a comportar-se como uma máquina de filmar: por exemplo, quando oferece uma pregadeira a Helen (Anna Massey), uma jovem bibliotecária que se aproximou dele, Mark replica e regista automaticamente os gestos que ela faz para experimentar o sítio em que a deve prender. Esta insistência temática torna-se um pouco exasperante e também deve ter contribuído para a condenação moralista do filme na sua época. Falta alguma subtileza ao filme. Um realizador como Alfred Hitchcock trabalhou o mesmo tema com muito mais sofisticação, em Janela Indiscreta (1954), por exemplo. Ainda assim, claro que Peeping Tom é uma obra interessante e alguns dos melhores momentos são aqueles em que vemos os filmes a preto e branco realizados pelo pai do protagonista. Dentro destes filmes, o papel do pai do protagonista é desempenhado pelo próprio Michael Powell, o protagonista enquanto criança é interpretado pelo próprio filho de Michael Powell e a casa é aquela em que Michael Powell cresceu. Além disso, o realizador explicou que um dos motivos pelos quais escolheu Carl Boehm para o papel principal foi o facto de ele ser filho do maestro austríaco Karl Boehm, e portanto saber como era ter um pai prepotente. Não são mostrados apenas os filmes do pai; a inclusão de secções dos filmes do próprio protagonista permite a exploração de diferentes pontos de vista: a perspectiva do Mark que assiste ao filme, a perspectiva do Mark que realizou o filme, a perspectiva da vítima antes de morrer e a nossa própria perspectiva como espectadores. Em Peeping Tom, temos sempre camadas sobre camadas de significado, para as quais contribuem também duas personagens femininas importantes: além de Helen, que escreveu uma história para crianças sobre uma máquina de filmar, a mãe cega desta, que, pelo facto de ser mais sensível às intenções e à perturbação de que sofre Mark, parece sugerir que a visão não é o sentido mais importante. À primeira vista, Peeping Tom é um filme muito diferente daqueles que Powell fez com Emeric Pressburger nas décadas de 1940 e 1950, como A Vida e a Morte do Coronel Blimp (1943). Enquanto estes filmes com Pressburger são dotados de uma aura universal que os torna quase míticos, na medida em que os mitos nos explicam quem somos, Peeping Tom é um filme quase perversamente pessoal. Apesar disso, também mostra como somos, de um modo arrojado para a época, mas que ainda hoje continua a perturbar.