30 de janeiro de 2022
Memória
23 de janeiro de 2022
Tucker – Um Homem e o Seu Sonho
É sempre um prazer encontrarmos por acaso um filme que ainda não tínhamos visto de um realizador de quem gostamos. Foi o que aconteceu ao Cinéfilo Preguiçoso esta semana quando, fazendo zapping, percebeu que um dos canais passava o filme Tucker – Um Homem e o Seu Sonho (Francis Ford Coppola, 1988). Coppola fez os seus melhores filmes na década de 1970, período em que trabalhou com toda a liberdade criativa. Na década seguinte, carregado de dívidas depois da falência do estúdio Zoetrope, viu-se obrigado a trabalhar com mais preocupações financeiras e comerciais. É evidente que é possível traçar alguns paralelos entre a vida de Coppola e a de Preston Tucker, um empreendedor que criou e promoveu com sucesso um modelo de carro com o seu nome, de que só conseguiu construir cinquenta veículos e por isso foi acusado de fraude pelos investidores, mas, curiosamente, o realizador começou a interessar-se por esta figura muito antes de saber que também ele teria de lidar com a desproporção entre as ideias de partida e os resultados finais. O grandioso projecto inicial de Tucker previa um filme musical experimental em que a história do protagonista (que seria interpretado por Marlon Brando) se entrelaçaria com as de Thomas Edison, Henry Ford, Harvey Samuel Firestone e Andrew Carnegie, como personagens secundárias. Embora não tenham deixado Coppola realizar mais um musical (depois do fracasso de bilheteira estrondoso que foi One From the Heart, de 1982) nem contar uma história com tantas dimensões, Tucker, explorando a ideia do sonho americano, preserva não só o tom eufórico e optimista desse género cinematográfico, mas também alguma coisa da abordagem grandiosa previamente idealizada. Por esse motivo, há uma dissonância interessante entre, por um lado, o tom e a ambição da realização, e, por outro, a história de fracasso quase completo de um protagonista sonhador que, a dada altura, fica praticamente só contra o mundo e, como um herói de Frank Capra, tem de lutar contra tudo e contra todos, mas sobretudo contra um establishment cínico que castiga o idealismo. Graças à influência mais sombria de Orson Welles, esta dissonância é reforçada por um nível de complexidade adicional que mantém sempre a pairar a suspeita de o protagonista ser parcialmente um charlatão com talento para manipular a sua própria imagem – quem também viu The Master (2012) pode dar por si a recordar este filme de Paul Thomas Anderson de vez em quando. Tendo Vittorio Storaro como director de fotografia e um excelente elenco em que se destacam Jeff Bridges e Martin Landau, Tucker é um filme esteticamente apelativo e excêntrico. Ainda que possa ser considerado menor dentro da obra de Coppola, merece atenção tanto pelos seus méritos como pela maneira como ilustra o processo de reinvenção criativa de Coppola na ressaca do período em que beneficiou tanto de meios para realizar os seus projectos grandiosos como de aclamação crítica quase universal.
Ler também: The Outsiders (Francis Ford Coppola, 1983).
16 de janeiro de 2022
Três Andares
9 de janeiro de 2022
O Amor É Uma Coisa Estranha | Homenzinhos
O Cinéfilo Preguiçoso planeava ir várias vezes ao cinema nos últimos dias do ano, mas a obrigatoriedade de apresentar um teste negativo à COVID-19 nas salas atirou-o para o limbo cinematográfico dos DVD e do arquivo e videoclube da televisão. Não foi totalmente desagradável. Entre títulos tão diferentes como O Movimento das Coisas (Manuela Serra, 1985), Carrie (Brian De Palma, 1976), Blade Runner (Ridley Scott, 1982), Mystery Train (Jim Jarmusch, 1989) e O Último Retrato (Stanley Tucci, 2017, sobre Giacometti), destacaram-se dois filmes surpreendentemente bons do norte-americano Ira Sachs (n. 1965). Do mesmo realizador, o Cinéfilo Preguiçoso já tinha visto Frankie (2019), filmado em Sintra, com Isabelle Huppert, mas não tinha ficado com uma impressão muito favorável. Pelo contrário, O Amor É Uma Coisa Estranha (2014) e Homenzinhos (2016) são dois filmes notáveis. Formam uma espécie de díptico nova-iorquino que nos permite acompanhar as aventuras e desventuras de diferentes famílias através, por um lado, do espaço maior da cidade e, por outro, dos espaços mais restritos das casas onde habitam. A crise do imobiliário, a noção de lar e a forma como cada personagem ocupa um espaço são fulcrais em ambos. Em O Amor É Uma Coisa Estranha, os dois protagonistas (interpretados por John Lithgow e Alfred Molina) vêem-se obrigados a vender a casa em que moram há muitos anos, tendo de ser acolhidos por familiares, por não conseguirem encontrar outro apartamento a um preço aceitável na cidade. Em Homenzinhos, as famílias dos dois protagonistas adolescentes entram em conflito por causa da renda de uma loja que pertence a uma delas. A partir destes espaços e relações, Ira Sachs explora as dinâmicas familiares e sociais das personagens com uma subtileza e uma ausência de dramatismos e moralismos extraordinárias. Nos dois filmes, acompanhamos personagens geralmente com interesses artísticos, em fases muito diferentes da vida, mas tentando sempre perceber quem são, como querem ser ou como podem viver. A sobreposição temporária de perspectivas etárias e sociais muito diferentes permite ao realizador traçar um verdadeiro retrato da cidade e de alguns dos seus habitantes sem qualquer veleidade de transmissão de mensagem moral: vemos simplesmente pessoas como nós, tentando viver sem prejudicar ninguém, mas sem conseguirem escapar a uma ou outra dúvida ou decisão egoísta e às fricções e conflitos de interesses que resultam da convivência próxima. Não são filmes que imponham uma ideia inovadora ou que se distingam pela ousadia formal, mas, parecendo enganadoramente simples, deixam os espectadores com a sensação de que assistiram à própria vida e compreenderam como é estar vivo – uma das coisas mais complicadas que o cinema consegue fazer.