O Cinéfilo Preguiçoso está no IndieLisboa! Os dois filmes vistos até agora, La Sapienza (Eugène Green, 2014) e Une Histoire Américaine (Armel Hostiou, 2015) têm em comum a origem (França) e o facto de serem maioritariamente falados numa língua que não o francês (italiano e inglês, respectivamente). As semelhanças ficam-se por aqui. Eugène Green permanece fiel ao seu estilo: grandes planos frontais, dicção extremamente cuidada e artificial, rigor quase maníaco na composição dos planos. Os encontros e desencontros de dois pares (marido e mulher, irmã e irmão) entre a Suíça italiana, Turim e Roma e as revelações suscitadas pela obra do arquitecto barroco Borromini são mostrados com a limpidez programática que fazem do visionamento de qualquer filme de Green uma experiência estética poderosíssima. Em Une Histoire Américaine, pelo contrário, dominam a deriva e a improvisação (aparente ou não), igualmente devedoras da Nouvelle Vague e do Cassavetes de Shadows. Os méritos desta segunda longa-metragem de Hostiou fundam-se em grande parte na presença de Vincent Macaigne (visto nos ecrãs portugueses em A Rapariga do 14 de Julho) e no lirismo amargo com que é filmada a cidade de Nova Iorque, cenário da obsessão do protagonista pela mulher com quem viveu um passado que não nos é dado ver.
27 de abril de 2015
La Sapienza | Une Histoire Américaine
O Cinéfilo Preguiçoso está no IndieLisboa! Os dois filmes vistos até agora, La Sapienza (Eugène Green, 2014) e Une Histoire Américaine (Armel Hostiou, 2015) têm em comum a origem (França) e o facto de serem maioritariamente falados numa língua que não o francês (italiano e inglês, respectivamente). As semelhanças ficam-se por aqui. Eugène Green permanece fiel ao seu estilo: grandes planos frontais, dicção extremamente cuidada e artificial, rigor quase maníaco na composição dos planos. Os encontros e desencontros de dois pares (marido e mulher, irmã e irmão) entre a Suíça italiana, Turim e Roma e as revelações suscitadas pela obra do arquitecto barroco Borromini são mostrados com a limpidez programática que fazem do visionamento de qualquer filme de Green uma experiência estética poderosíssima. Em Une Histoire Américaine, pelo contrário, dominam a deriva e a improvisação (aparente ou não), igualmente devedoras da Nouvelle Vague e do Cassavetes de Shadows. Os méritos desta segunda longa-metragem de Hostiou fundam-se em grande parte na presença de Vincent Macaigne (visto nos ecrãs portugueses em A Rapariga do 14 de Julho) e no lirismo amargo com que é filmada a cidade de Nova Iorque, cenário da obsessão do protagonista pela mulher com quem viveu um passado que não nos é dado ver.
20 de abril de 2015
Carta de Uma Desconhecida
Baseado
numa novela de Stefan Zweig, o filme Carta de Uma Desconhecida (Max Ophüls,
1948) conta os encontros e desencontros de um casal, representado por Joan
Fontaine, no papel de Lisa Berndle, e Louis Jourdan, no papel do pianista
Stefan Brand. O filme é narrado a partir da carta de despedida da personagem
feminina. Ao longo do tempo, acompanhamos a ascensão e a queda da carreira de
Stefan. Lisa descreve-o como «alguém que anda à procura de alguma coisa mas
ainda não conseguiu encontrá-la». Esta lacuna traduz-se a nível profissional e
sentimental; apesar de fazer sucesso nas salas de concerto e com as mulheres,
Stefan não se sente feliz. Ainda que Lisa identifique Stefan como o grande amor
da sua vida desde o início, este revela-se incapaz de a reconhecer (literalmente)
nos diversos momentos em que com ela se vai encontrando ao longo do tempo. O
reconhecimento e a compreensão, demasiado tardios, ocorrem com a leitura da
carta. Falhar este reconhecimento implicou falhar a própria vida. Os famosos movimentos
de câmara de Ophüls, vigorosos mas extraordinariamente delicados, e a soberba
interpretação de Joan Fontaine contribuem para o lugar de destaque do filme na
carreira deste realizador.
13 de abril de 2015
Roma, Cidade Aberta | Paisà
Os
caprichos das distribuidoras que operam no diminuto mercado português deixam o
Cinéfilo Preguiçoso fora de si. Um exemplo entre tantos: “Clouds of Sils
Maria”, de Olivier Assayas, várias vezes anunciado e cujo rasto na lista de
próximas estreias é agora impossível de encontrar. Constata-se com alívio que a
carência de novidades é em parte compensada por algumas reposições. Na
retrospectiva de Rossellini que o Nimas está a mostrar, podemos comparar entre
si dois dos três filmes da chamada “trilogia da guerra”: “Roma, Cidade Aberta”
(1945) e “Paisà” (1946), além da proximidade cronológica, partilham o cenário
de uma Itália abalada pelos últimos estertores da Segunda Guerra Mundial e o estilo
despojado que os guindou, com ou sem razão, ao estatuto de representantes do
neo-realismo. Setenta anos depois, torna-se claro que “Paisà”, graças à
agilidade da realização, ao equilíbrio notável entre os diferentes episódios, à
quase total ausência de retórica e à capacidade de fazer coexistir acção e clarividência
psicológica, envelheceu melhor. Porém, a força de “Roma, Cidade Aberta”, que
tanto deve à interpretação extraordinária de Aldo Fabrizi, permanece intacta.
Estes filmes voltarão a passar nos próximos dias 27 e 29 de Abril. Por essa
altura, o IndieLisboa já estará aí, para alegria de todos.
6 de abril de 2015
Na morte de Manoel de Oliveira
Nos anos
80 e 90, Manoel de Oliveira era amiúde remetido para a categoria de realizador
para as elites intelectuais e acusado de fazer filmes impenetráveis pela
perspicácia do cidadão comum. Passadas duas ou três décadas, superadas todas as
expectativas de longevidade e de reconhecimento internacional, as reacções à
morte deste realizador insistem de forma surpreendente na sua faceta mais
ligeira: repetem-se em círculo as anedotas ligadas à boémia dos anos 20 e ao
salto com vara ou as momices chaplinescas. Talvez a vontade de privilegiar esta
imagem mais superficial e clownesca surja como reacção às pulsões hagiográficas
que se manifestaram e continuarão a manifestar (ah, o Panteão!), mas não há
desculpa para remeter para segundo plano a extraordinária dimensão e
complexidade artística da obra de Oliveira. A melhor homenagem é ver e rever os
filmes. Para isso seria importante que estes estivessem mais acessíveis, ou em
sala ou em DVDs a preços aceitáveis.
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