Se quisermos identificar uma ligação essencial
entre o filme Walden: Diaries, Notes, and
Sketches (1969), de Jonas Mekas (n. 1922), visto na Cinemateca, e o livro
do escritor americano Henry David Thoreau com que partilha o título, teremos de
pensar nas atitudes do realizador e do escritor perante a vida. Em Walden; or, Life in the Woods, Thoreau
explica que decidiu passar uma temporada numa cabana nos bosques porque queria
«viver deliberadamente». De modo semelhante, Mekas afirma a dada altura no seu
filme: «I live because I make home movies/I make home movies because I live». É
verdade que no filme de Mekas não encontramos a distinção entre Natureza e
civilização que Thoreau sublinha. Ainda que tenha filmado várias sequências em
locais próximos da Natureza, Mekas nunca perde a ligação à cidade. Natureza e
cidade estão ao mesmo nível: Mekas dá tanta atenção à vida dentro e fora dos
apartamentos de Nova Iorque (incluindo cenários mais mundanos como um concerto
dos Velvet Underground, uma sessão de discussão com Allen Ginsberg, um acto de
protesto de John Lennon e Yoko Ono, uma sequência interminável de um
espectáculo de circo, imagens de Central Park em diversas estações do ano, um
encontro com Dreyer ou um gato em contraluz) como a tudo o que fica fora da
cidade, na floresta, em povoações mais calmas, em casamentos bucólicos e em casas afastadas da civilização
em que um cão a roubar comida de pássaro pode ser o acontecimento mais
importante do fim-de-semana. Referindo-se a esta torrente de imagens
aparentemente arbitrárias e repetitivas, «sem drama, nem suspense, nem romance»,
entrecortadas por ocasionais separadores com palavras, alguns dos quais podem
ser páginas do livro de Thoreau, Mekas interpela directamente o espectador em
jeito de explicação: «Tu, espectador,
que estás aqui dentro, enquanto lá fora a vida continua a correr só por
inércia, fica e vê apenas [...]. A vida corre tão depressa, que é provável que estas
imagens não durem muito mais tempo» (citado de memória). Deste modo, as
actividades de viver e filmar (indissociáveis para Mekas), bem como de ver
cinema, são descritas como forma de resistência à inércia das coisas que
acontecem só por acontecer. Mekas filma deliberadamente para que algo consiga persistir.