3 de abril de 2016

John From




No Verão, Telheiras torna-se um bairro vazio e tropical onde pouco acontece além de um ou outro voo do estridente periquito-de-colar, espécie exótica invasora que aí tem proliferado nos últimos tempos. Não há tempo melhor para a imaginação. À semelhança destes periquitos, a protagonista (Júlia Palha) de John From (João Nicolau, 2015) parece deliberadamente confusa em relação ao sítio onde mora. Telheiras cruza-se com a Melanésia, um vizinho fotógrafo mais velho parece subitamente dotado dos maiores encantos, enquanto o namorado se torna desinteressante, a lista de músicas num leitor de MP3 vai sendo consultada como oráculo e a dada altura o bairro é invadido por um estranho nevoeiro que causa outros acontecimentos inusitados, como o roubo e o reaparecimento do carro do fotógrafo. John From capta com pleno sucesso o tédio opressivo do Verão e a arbitrariedade das paixões, e oferece um objecto cinematográfico inesperado mas que convoca fantasmas cinéfilos muito familiares, como o filme coming of age e o filme de aventuras. De realçar ainda o magnífico trabalho realizado na banda sonora: o mosaico de fragmentos de playlists, música étnica, ruídos misteriosos e cantos de aves exóticas fornecem a paisagem acústica ideal para a suspensão de incredulidade inerente à transformação progressiva de um bairro periférico de Lisboa em ilha do Pacífico, à qual não falta sequer um majestoso casuar passeando-se, imperturbável, por um parque de estacionamento.