Felizmente, o
cinema Nimas continua a passar filmes de Mizoguchi. Esta semana o Cinéfilo
Preguiçoso viu O Conto dos Crisântemos
Tardios (1939), um filme que explora a ligação entre a arte e a vida, a
história individual e a tradição social e artística, a partir da longa
aprendizagem de um actor de teatro kabuki no final do século XIX. O argumento,
baseado num romance de Shofu Muramatsu, centra-se na personagem de Kikunosuke,
um jovem actor adoptado como herdeiro e futuro sucessor pelo actor mais
importante da época. Kikunosuke vê-se obrigado a abandonar a família e Tóquio quando
escolhe casar com Otoku, uma empregada humilde e também a única pessoa que é sincera
com ele sobre as suas capacidades dramáticas em vez de o bajular. O filme segue
os esforços do protagonista para se impor como actor sem a protecção do pai
adoptivo, mas sempre apoiado por Otoku, que tudo sacrifica pela carreira dele. O Conto dos Crisântemos Tardios tinha
tudo para ser um dramalhão insuportável, mas a dignidade das personagens e o
rigor com que Mizoguchi filma as situações mais angustiantes, situando sempre o
individual num pano de fundo colectivo extremamente complexo e diverso, equilibra
qualquer emoção mais exagerada. Particularmente interessantes são, por um lado,
todas as cenas nos bastidores labirínticos do teatro, as suas figuras nervosas
a correr de um lado para o outro, as trocas de palavras marcadas pela tensão
própria da representação, e, por outro, as cenas que caracterizam a relação dos
dois protagonistas, em espaços mais privados e sossegados, como a conversa ao
ar livre às duas da manhã em que aparece um vendedor de espanta-espíritos vindo
do nada, ou, mais tarde, a partilha de talhadas de melancia com sal. O ciclo
que o cinema Nimas tem apresentado centra-se em obras mais tardias de
Mizoguchi, essencialmente realizadas nos anos cinquenta. É de aplaudir a inclusão
deste filme anterior à Segunda Guerra Mundial, tão emocionalmente rico e subtil,
marcado por um brilhantismo formal impressionante – apesar de a qualidade da
cópia deixar a desejar.