18 de junho de 2017

O Conto dos Crisântemos Tardios


Felizmente, o cinema Nimas continua a passar filmes de Mizoguchi. Esta semana o Cinéfilo Preguiçoso viu O Conto dos Crisântemos Tardios (1939), um filme que explora a ligação entre a arte e a vida, a história individual e a tradição social e artística, a partir da longa aprendizagem de um actor de teatro kabuki no final do século XIX. O argumento, baseado num romance de Shofu Muramatsu, centra-se na personagem de Kikunosuke, um jovem actor adoptado como herdeiro e futuro sucessor pelo actor mais importante da época. Kikunosuke vê-se obrigado a abandonar a família e Tóquio quando escolhe casar com Otoku, uma empregada humilde e também a única pessoa que é sincera com ele sobre as suas capacidades dramáticas em vez de o bajular. O filme segue os esforços do protagonista para se impor como actor sem a protecção do pai adoptivo, mas sempre apoiado por Otoku, que tudo sacrifica pela carreira dele. O Conto dos Crisântemos Tardios tinha tudo para ser um dramalhão insuportável, mas a dignidade das personagens e o rigor com que Mizoguchi filma as situações mais angustiantes, situando sempre o individual num pano de fundo colectivo extremamente complexo e diverso, equilibra qualquer emoção mais exagerada. Particularmente interessantes são, por um lado, todas as cenas nos bastidores labirínticos do teatro, as suas figuras nervosas a correr de um lado para o outro, as trocas de palavras marcadas pela tensão própria da representação, e, por outro, as cenas que caracterizam a relação dos dois protagonistas, em espaços mais privados e sossegados, como a conversa ao ar livre às duas da manhã em que aparece um vendedor de espanta-espíritos vindo do nada, ou, mais tarde, a partilha de talhadas de melancia com sal. O ciclo que o cinema Nimas tem apresentado centra-se em obras mais tardias de Mizoguchi, essencialmente realizadas nos anos cinquenta. É de aplaudir a inclusão deste filme anterior à Segunda Guerra Mundial, tão emocionalmente rico e subtil, marcado por um brilhantismo formal impressionante – apesar de a qualidade da cópia deixar a desejar.