Andrea Arnold é uma realizadora inglesa com um percurso muito atípico: antes de se dedicar ao cinema distinguiu-se como actriz, apresentadora e bailarina em vários programas de televisão, alguns dos quais dirigidos ao público infantil. Assinou as primeiras curtas-metragens perto dos quarenta anos de idade, não tardando a chamar a atenção com filmes como Red Road (2006) e Fish Tank (2009), que lhe deram uma reputação sólida nos circuitos dos festivais e do cinema independente. American Honey, que o Cinéfilo Preguiçoso falhou quando estreou em sala, mas viu agora graças ao videoclube de uma operadora de telecomunicações, trouxe-lhe notoriedade acrescida e uma torrente de distinções, incluindo o prémio do júri do festival de Cannes de 2016. A acção centra-se na personagem de Star (Sasha Lane), uma adolescente que decide juntar-se a um grupo itinerante que vive em comunidade e que se dedica à venda de assinaturas de revistas, percorrendo os Estados Unidos da América numa carrinha e alojando-se em motéis. O filme mostra-se fiel a muitos dos códigos do road movie, tocando igualmente em alguns lugares-comuns sobre histórias de grupos de jovens um pouco selvagens (quem tiver lido, por exemplo, o romance The Girls, de Emma Cline, reconhecerá algumas situações e dinâmicas). Contudo, American Honey tem o mérito de inovar em vários aspectos que, embora possam ser considerados menores, o tornam menos previsível e mais interessante. É notável, por exemplo, a maneira como, no grupo de jovens retratado, anarquia e espontaneidade convivem com hierarquias, relações de poder e estratégias comerciais que reproduzem as estruturas do mundo laboral convencional. A atenção à fauna e às paisagens das localidades atravessadas introduz uma dimensão lírica que faz lembrar o Terrence Malick de Badlands (1973) e também a obra do fotógrafo americano Keith Carter. Alguns detalhes quase surrealistas, como o uivo que Jake (com quem Star se envolve romanticamente) simula para assinalar a sua presença, ou a intervenção inusitada de um urso, contribuem para que o filme seja mais do que uma longa sucessão de conflitos humanos e viagens pela América profunda. Por fim, a própria personagem de Star é um elemento decisivo para o sucesso do filme: a ingenuidade, o desejo de ser amada, a manha e o espírito empreendedor coexistem nela sem se misturarem, tornando imprevisível o seu comportamento. Apesar do final (que soa mais a incapacidade de resolver as tensões do argumento do que à intenção de deixar a narrativa em aberto) e da presença dispensável de Shia LaBeouf (com o seu cortejo de tiques do star-system, que era tudo aquilo de que este filme não precisava), American Honey é um filme que faz algo de novo e gratificante dentro de um registo já glosado até à exaustão no cinema independente.