O Cinéfilo Preguiçoso é admirador de longa data de Arnaud Desplechin. Enquanto a primeira fase da sua carreira ficou marcada pela exploração de registos muito diferentes e em que cada filme parecia assinalar um novo começo, Desplechin parece agora apostado em revisitar temas, obsessões e tiques, sem grandes preocupações de inovação formal. Os Fantasmas de Ismaël (2017), muito à semelhança, por exemplo, de Um Conto de Natal (2008) ou do fabuloso Reis e Rainha (2004), caracteriza-se não só pela exploração de relações familiares disfuncionais e de bloqueios criativos e emocionais, mas também por personagens hiperactivas e por um excesso de energia narrativa, parcialmente resolvido por meio de enredos paralelos ou episódios supérfluos. Dependendo da opinião de cada um, esse excesso e essa hiperactividade podem ser vistos como sintoma do descontrolo do realizador ou como uma sucessão de derrapagens controladas, necessárias à dinâmica do filme. Em Os Fantasmas de Ismaël coexistem pelo menos três filmes diferentes: a história de Ismaël (Mathieu Amalric), um realizador de cinema cuja mulher regressa depois de uma ausência de vinte e um anos; o enredo do filme que está a ser rodado (uma intriga improvável de espionagem que envolve uma personagem inspirada no irmão de Ismaël e um agente russo especialista em Jackson Pollock); e as aventuras da rodagem do filme, posta em risco pelos caprichos do realizador. O frenesim tresloucado da última meia hora do filme contrasta com a toada mais calma, quase contemplativa, da primeira parte, dominada pela história do regresso da mulher de Ismaël, Carlotta (um nome que evoca Vertigo, de Hitchcock). Surpreende que Desplechin, pouco dado a erros de casting, tenha escolhido Marion Cotillard para interpretar Carlotta: é uma actriz competente, mas demasiado transparente e carente de ambiguidade para este papel. É inevitável tentar imaginar o que a grande Emmanuelle Devos, omnipresente na primeira fase da carreira de Desplechin, faria com um papel destes. Em contrapartida, Charlotte Gainsbourg é excelente: o seu desempenho sóbrio e fluido ajuda a impedir que o filme se desagregue por completo na sua fúria centrífuga. Quanto ao inevitável Amalric, a sua actuação é um espelho do próprio filme: por vezes brilhante, por vezes exasperante, e visceralmente indissociável do universo de Desplechin.