22 de outubro de 2017

Porto



O filme Porto de Gabe Klinger (2016) é sobre a ligação de uma noite entre dois estrangeiros no Porto: Jake (o americano Anton Yelchin) e Mati (a francesa Lucie Lucas). Talvez uma das suas características mais interessantes seja o modo como aborda a dimensão temporal do amor: no dia a seguir ao primeiro encontro que tiveram, Mati rejeita Jake e opta pelo namorado português que quer casar e ter filhos, apesar de ela própria não o desejar essa forma de vida; anos depois, no entanto, continua a recordar essa noite e essa ligação. O tempo desta relação supostamente breve afinal é longo e transcende as poucas horas que dura, parecendo, em contraste, brevíssimos todos os anos que se seguiriam na vida da protagonista. A dada altura, nessa primeira e única noite, as personagens comentam que é como se aquela ligação já tivesse acontecido antes de acontecer, visto que já sabem o que cada uma delas dirá antes de ser dito (um pouco como na canção «Where or When», com letra de Lorenz Hart, lembramo-nos nós). Do mesmo modo, com uma hora e dezasseis minutos, Porto é um filme reduzido (ou engrandecido) ao essencial, mas há nele tempo para tudo o que precisa de explorar, incluindo a atmosfera da cidade em que decorre. Um dos momentos mais memoráveis é a sequência longa que acompanha o percurso nocturno dos protagonistas transportando uma série de caixas através do nevoeiro das ruas íngremes do Porto e das escadas do edifício sem elevador para o qual Mati se está a mudar. Convém salientar que Gabe Klinger não vê o Porto através de um olhar turístico, embora o encare com um olhar estrangeiro que, sobretudo nas cenas em cafés, bares e restaurantes, lembra não só Jim Jarmusch (que, aliás, é produtor executivo deste filme) mas também Kaurismäki. Quem viver ou tiver vivido no Porto não reencontrará a sua cidade neste filme (nem em mais nenhum outro lado, incluindo no próprio Porto), embora sem dúvida reconheça alguns fragmentos da sua experiência nesse lugar: o nevoeiro, pessoas encasacadas a caminho de algum lado, a Estação de São Bento, o Café Ceuta, a Confeitaria Cunha, o rio, as pontes, o som das gaivotas, um Bulhão sem as figuras supostamente pitorescas que povoam outras abordagens. Outro elemento importante desta longa-metragem é uma ideia de leveza, que Jake descreve como uma disponibilidade de perder tudo («of losing it»), para depois poder (re)começar. Para quem viu Paterson, de Jarmusch, é uma ideia muito próxima daquela que, na cena final, um turista japonês recorda casualmente ao protagonista quando lhe oferece um caderno de páginas em branco. Na vida de Mati, todavia, isso não passa de uma aspiração por concretizar. Assinale-se, para concluir, a aparição da lendária Françoise Lebrun (de La Maman et la Putain, 1973) no papel de mãe de Lucie. A cena entre mãe e filha, passada num pequeno apartamento parisiense, é, à maneira do próprio filme, lúcida, contida, breve e centrada numa questão a que se subordinam todas as outras: o que estamos dispostos a fazer para evitar a solidão?