Nunca
se sabe muito bem o que esperar de Paul Thomas Anderson. Já tivemos filmes
localizados na era contemporânea, no início do século vinte, em meados do
século vinte, sobre um grupo de actores de cinema pornográfico, sobre pessoas
religiosas ou com problemas de drogas, e até filmes com sapos que caem do céu. Linha-Fantasma (2017) passa-se nos anos
cinquenta do século XX, em Inglaterra, e conta uma história um pouco gótica em
que servir cogumelos venenosos funciona como acto de amor. A narração do filme assenta
em momentos da conversa da protagonista, Alma (Vicky Krieps), com um médico, a
quem esta vai explicando o segredo da sua relação com Reynolds (Daniel
Day-Lewis), um costureiro obcecado com a sua profissão. Em vão se procura o
título do livro de que o argumento possa ter sido adaptado: saiu tudo da cabeça
imprevisível do próprio Thomas Anderson. Um costureiro obsessivo como
protagonista pareceria terreno fértil para os desmandos dramáticos em que Day-Lewis
costuma ser pródigo, mas este actor aparece aqui surpreendentemente contido,
sobretudo quando se pensa na actuação descontrolada que tem em There Will Be Blood (Paul Thomas
Anderson, 2007). Tanto Krieps como Lesley Manville, no papel da ambígua irmã de
Reynolds (que lhe valeu uma nomeação para os óscares), aproveitam esta
contenção para assinarem duas interpretações seguras que contribuem para o
equilíbrio do filme. Linha-Fantasma não
é um filme tão olvidável como Inherent Vice (2014), nem tão enigmático como The
Master (2012). Anos depois de ter visto ambos, o Cinéfilo Preguiçoso
recorda o primeiro como uma palhaçada sem pés nem cabeça, enquanto continua a
pensar com interesse nas personagens complexas e poderosíssimas do segundo, sem
ter a certeza de as ter compreendido plenamente. Linha-Fantasma não tem personagens tão interessantes. Ainda assim, ao
contrário de Inherent Vice, é um
filme suficientemente coeso para não desaparecer totalmente da memória. A sua
maior virtude talvez seja a de evitar derivar para meditações grandiloquentes
sobre a natureza do génio e da criação, e a maneira como descreve a evolução de
uma relação em que a procura de conforto e dedicação mútua, um dos motores mais
convencionais da sociedade, adquire contornos singularmente perversos. Não vale
a pena procurar uma mensagem transcendental naquilo que afinal não passa de um
exercício, estilisticamente requintado, por vezes irritante, mas que funciona satisfatoriamente
como divagação sobre a maneira bizarra e improvável que algumas pessoas
encontram para se aproximarem e serem felizes juntas.