13 de outubro de 2019

Varda por Agnès


À semelhança de muitos filmes de Agnès Varda, Varda por Agnès (2019) é difícil de classificar. Chamar “testamento” ou “despedida” a este filme, o último desta realizadora que morreu no passado mês de Março, seria descabido: o espectador não sai da sala com o sentimento de ter assistido ao fim seja do que for. O formato escolhido aponta para o registo do documentário: Varda, frente a um público numeroso, numa sala de teatro, fala sobre os seus filmes, como se numa conferência. Contudo, mais do que a tentativa de fixar para a posteridade um discurso produzido num contexto específico, aquilo que se vê é Varda a encenar-se a ela mesma e a controlar o fio de uma espécie de narrativa: a história de uma artista que começou por tirar fotografias nas galerias Lafayette e acabou por protagonizar uma das carreiras mais ricas, surpreendentes e livres da história do cinema. Esta história não é contada por ordem cronológica, mas sim ao sabor das associações e tendo sempre como elemento estruturante principal um trio de palavras que Varda enuncia logo nos primeiros minutos: “inspiração”, “criação” e “partilha”. Sucedem-se os excertos de filmes, acompanhados por apontamentos biográficos ou comentários sobre aspectos técnicos, assim como intervenções de convidados, dentro ou fora do cenário da sala de teatro – é particularmente notável e comovente o diálogo com Sandrine Bonnaire, trinta e quatro anos depois de Sans Toit Ni Loi/Sem Eira nem Beira (1985). É dado grande destaque à faceta de artista visual (uma expressão que Varda prefere a “artista plástico”), em particular graças a descrições e imagens de instalações que entram frequentemente em diálogo com os filmes. Varda por Agnès não acrescenta nada de decisivo à obra de Varda, mas possui numerosas virtudes, a menor das quais não será a de funcionar tanto como introdução à sua filmografia, para aqueles que não a conhecem, como enquanto veículo para a revisitar, para aqueles que a conhecem bem ou parcialmente. Acima de tudo, reafirma um dos aspectos mais fascinantes desta artista: a maneira como sempre conciliou a liberdade criativa com a atenção aos outros (a “partilha”) e a capacidade de aproveitar as coincidências e os acidentes do tempo presente como estímulos. A dada altura, a propósito de Jacquot de Nantes (1991), o filme com que homenageou o marido Jacques Demy, Varda afirma que, longe de ter feito um filme para “parar o tempo”, fez um filme para “acompanhar o tempo”. É talvez o elemento mais revelador de todo o filme e aquele que mais admiravelmente mostra a essência do trabalho de Varda, que de nostálgico ou de premonitório nunca teve nada, antes abraçando o presente com uma ternura e uma inteligência de que poucos são capazes.