8 de março de 2020

Suspiria


Depois de, há alguns meses, ter visto Suspiria de Dario Argento (1977), o Cinéfilo Preguiçoso decidiu ver, em DVD, Suspiria, o remake realizado por Luca Guadagnino (2018). São filmes muito diferentes. Enquanto o primeiro era breve, intenso e cheio de cores primárias e ritmo, envolvendo o espectador numa atmosfera de conto de fadas ou pesadelo, sem lhe dar tempo para duvidar do bom gosto e das inverosimilhanças de certos momentos, o segundo é pesado, de cores apagadas, ambiciona integrar no seu enredo subtextos culturais e políticos sofisticados, e sobrecarrega o espectador com sequências de suposto terror que provocam distanciamento em vez de convencer. Como conseguiu Guadagnino estragar tudo? Em primeiro lugar, não contente em usar apenas o filme de Argento como inspiração, saturou Suspiria com imagens e referências da época sem as digerir coerentemente. Ao longo do filme, o espectador dá por si a recordar, entre outras influências, Fassbinder, Kubrick, os filmes O Exorcista (William Friedkin, 1973) e As Vidas dos Outros (Florian Henckel von Donnersmark, 2006), ou as figuras de Pina Bausch (clara inspiração para a Madame Blanc de Tilda Swinton) e de Francesca Woodman. Em segundo lugar, Guadagnino complicou desnecessariamente a narrativa principal com enredos secundários relacionados com: referências ao Holocausto e ao nazismo; as actividades terroristas dos Baader-Meinhof, um grupo de guerrilha urbana comunista e anti-imperialista; um psicanalista (igualmente interpretado por Tilda Swinton) que procura a mulher judia desaparecida durante a guerra; sequências com a família menonita da protagonista no Ohio, onde a sua mãe moribunda continua a recriminá-la; e um feminismo dúbio que parece sugerir que só transformando-se em bruxas as mulheres conseguem exercer algum poder. As pessoas que gostaram deste remake descreveram-no como um filme sobre a criatividade, pelo facto de a protagonista (Dakota Johnson) ser capaz de se afirmar, apesar de no início as bruxas quererem silenciá-la, oferecendo o seu corpo à Mãe Markos, para que esta deusa demoníaca que lidera a companhia da dança continuasse a viver através do seu corpo jovem. Dir-se-ia, no entanto, que, ao contrário da sua protagonista, Guadagnino se deixou engolir por todas as referências, inspirações e complicações de que se socorreu, sem conseguir falar com a própria voz e produzir um filme convincente. O Cinéfilo Preguiçoso fica com a impressão de que Dario Argento se limitou a tentar fazer um filme de que gostasse e que o divertisse, e, por isso, acabou por fazer um filme memorável, de que ainda hoje falamos. Pelo contrário, Guadagnino ambicionava fazer uma obra-prima inesquecível e o resultado foi um filme falhado, que soçobra com o peso de tudo aquilo com que o realizador o carregou. Não vamos esquecer a excelente banda sonora de Thom Yorke e é possível que continuemos a pensar em alguns momentos do filme, mas quase sempre por maus motivos.