Embora haja alguns filmes interessantes para ver no cinema, o Cinéfilo Preguiçoso, sem coragem para enfrentar o calor, preferiu ver o documentário 66 Cinemas, de Philipp Hartmann (2016), que passou na semana passada na RTP2. Entre 2014 e 2015, Hartmann fez uma digressão por vários cinemas independentes alemães para mostrar o seu filme O Tempo Voa como Um Leão que Ruge (2013), sobre um cineasta que sofre de cronofobia e procura uma maneira de controlar o tempo. Neste percurso, aproveitou para filmar não só estes espaços, mas também as pessoas que os gerem e programam. Ficamos a conhecer um grande número de cinemas, desde uma antiga abadia no meio de nenhures que convoca o público tocando o sino, até salas com a decoração original impecavelmente restaurada, como o Schauburg em Karlsruhe, passando por cinemas multiplex que se atrevem a passar filmes experimentais, além de cinema de autor, cinema de autor medíocre e filmes de grande público. Os programadores e gestores descrevem os seus diferentes currículos, idiossincrasias, filosofias e abordagens, mas todos referindo, por um lado, preocupações financeiras, sobretudo no que toca à transição entre a película e o digital, e, por outro, a consciência da missão comunitária que desempenham, tendo a noção de que, se não fossem eles, alguns filmes não seriam vistos. A beleza destes espaços e os diferentes modos como as pessoas se situam neles lembram um pouco o livro Abandoned Cinemas of the World, de Simon Edelstein; a vantagem do filme de Hartmann é mostrar cinemas ainda em funcionamento, com pessoas vivas, enquanto no livro de Edelstein observamos apenas os vestígios de uma identidade em dissolução. Obviamente, não sabemos como estes espaços terão conseguido sobreviver à pandemia, mas esperemos que tenham recebido apoios do Estado alemão. O documentário de Hartmann mostra bem como o mundo seria um espaço de maior mediocridade e de homogeneidade asfixiante se as salas de cinema não existissem, e consegue fazê-lo de forma atenta e humana, exaltando o papel das pessoas que exploram as salas, mas sem ceder à tentação de as mostrar como heróis ou personagens quixotescas. A melhor maneira de homenagear o cinema é não esconder nenhuma das suas componentes, incluindo a económica e a social, além da artística, e 66 Cinemas tem o mérito de as incorporar, de forma equilibrada, ao longo do périplo pela Alemanha profunda que nos é mostrado.