O contraste entre Os Amantes Passageiros (estreado em 2013 e visto esta semana num canal de televisão), de Pedro Almodóvar, e os filmes por este realizados imediatamente antes e depois, como A Pele Onde eu Vivo (2011), Julieta (2016) ou Dor e Glória (2019), é grande. Neste filme, cuja acção se desenrola quase exclusivamente num avião em pleno voo, à espera de uma aterragem de emergência devido a um problema técnico, não existe qualquer pretensão de análise psicológica e a componente (melo)dramática é ligeira e lúdica. Assumidamente, Almodóvar tentou divertir-se, fazendo uma comédia leve e nada mais do que isso. Ainda assim, explora algumas situações e personagens típicas da sua obra. Entre as personagens principais, temos uma vidente que tenta perder a virgindade, um assassino a soldo, uma “dominatrix”, um galã de telenovelas, os pilotos e os assistentes de bordo (as hospedeiras passam a viagem sedadas, assim como os passageiros de classe turística), todos envolvidos numa teia complicada de relações sentimentais sobre um pano de fundo de orientações sexuais ambíguas ou não assumidas. Há alguns aspectos interessantes em Os Amantes Passageiros, como a exploração dos lugares-comuns do filme de catástrofe aérea e o contraste entre a estética camp e espalhafatosa e o ambiente asséptico e os protocolos rígidos do transporte aéreo. Contudo, é preciso reconhecer que, mesmo no registo de comédia pura, Almodóvar não esteve particularmente inspirado e perdeu inúmeras oportunidades de tornar o filme mais subtil, visualmente mais arrojado ou simplesmente mais divertido. A única parte do filme que se passa fora do avião é um pequeno segmento que nos restitui fugazmente os ambientes e temas mais característicos deste realizador: interiores urbanos, coincidências, casos românticos mal resolvidos, o desequilíbrio mental como consequência última dos amores frustrados. Esta breve incursão funciona como balão de oxigénio em relação ao ambiente opressivo da cabina do avião e pode ser uma maneira de Almodóvar nos mostrar que, no meio deste parêntesis, continua fiel às fundações do seu cinema. Os Amantes Passageiros é um filme menor, mas nem sequer é um daqueles “filmes menores” que, pelo diálogo que estabelecem com as obras ditas “maiores” de um cineasta, valorizam a filmografia deste no seu todo (como sucede, por exemplo, no caso de Éric Rohmer), mas vê-se com agrado e sem a necessidade de se estar atento a uma eventual mensagem, grave e pungente, sobre a condição humana.