É sempre um prazer encontrarmos por acaso um filme que ainda não tínhamos visto de um realizador de quem gostamos. Foi o que aconteceu ao Cinéfilo Preguiçoso esta semana quando, fazendo zapping, percebeu que um dos canais passava o filme Tucker – Um Homem e o Seu Sonho (Francis Ford Coppola, 1988). Coppola fez os seus melhores filmes na década de 1970, período em que trabalhou com toda a liberdade criativa. Na década seguinte, carregado de dívidas depois da falência do estúdio Zoetrope, viu-se obrigado a trabalhar com mais preocupações financeiras e comerciais. É evidente que é possível traçar alguns paralelos entre a vida de Coppola e a de Preston Tucker, um empreendedor que criou e promoveu com sucesso um modelo de carro com o seu nome, de que só conseguiu construir cinquenta veículos e por isso foi acusado de fraude pelos investidores, mas, curiosamente, o realizador começou a interessar-se por esta figura muito antes de saber que também ele teria de lidar com a desproporção entre as ideias de partida e os resultados finais. O grandioso projecto inicial de Tucker previa um filme musical experimental em que a história do protagonista (que seria interpretado por Marlon Brando) se entrelaçaria com as de Thomas Edison, Henry Ford, Harvey Samuel Firestone e Andrew Carnegie, como personagens secundárias. Embora não tenham deixado Coppola realizar mais um musical (depois do fracasso de bilheteira estrondoso que foi One From the Heart, de 1982) nem contar uma história com tantas dimensões, Tucker, explorando a ideia do sonho americano, preserva não só o tom eufórico e optimista desse género cinematográfico, mas também alguma coisa da abordagem grandiosa previamente idealizada. Por esse motivo, há uma dissonância interessante entre, por um lado, o tom e a ambição da realização, e, por outro, a história de fracasso quase completo de um protagonista sonhador que, a dada altura, fica praticamente só contra o mundo e, como um herói de Frank Capra, tem de lutar contra tudo e contra todos, mas sobretudo contra um establishment cínico que castiga o idealismo. Graças à influência mais sombria de Orson Welles, esta dissonância é reforçada por um nível de complexidade adicional que mantém sempre a pairar a suspeita de o protagonista ser parcialmente um charlatão com talento para manipular a sua própria imagem – quem também viu The Master (2012) pode dar por si a recordar este filme de Paul Thomas Anderson de vez em quando. Tendo Vittorio Storaro como director de fotografia e um excelente elenco em que se destacam Jeff Bridges e Martin Landau, Tucker é um filme esteticamente apelativo e excêntrico. Ainda que possa ser considerado menor dentro da obra de Coppola, merece atenção tanto pelos seus méritos como pela maneira como ilustra o processo de reinvenção criativa de Coppola na ressaca do período em que beneficiou tanto de meios para realizar os seus projectos grandiosos como de aclamação crítica quase universal.
Ler também: The Outsiders (Francis Ford Coppola, 1983).