Em Março, a Cinemateca apresenta um ciclo dedicado a Jean-Daniel Pollet (1936-2004), cineasta francês pouco conhecido entre nós que por vezes é associado à Nouvelle Vague, embora não fizesse parte do núcleo duro deste grupo. A obra de Pollet inclui, por um lado, filmes de ficção narrativos, associados ao realismo burlesco e quase sempre protagonizados por Claude Melki, seu actor-fetiche e, por outro, filmes-ensaio em que a montagem e as palavras em voz-off desempenham o papel mais importante. O Cinéfilo Preguiçoso começou por assistir à sessão que associou os filmes Jour après jour (real. Jean-Daniel Pollet e Jean-Paul Fargier, 2006) e Parle-moi encore (Jean-Paul Fargier, 2016), um episódio da série Cinéma, de notre temps dedicado a Pollet em que vemos vários excertos do filme comentados pelo próprio realizador e também por Fargier em voz-off. Jour après jour é um filme póstumo, concebido por Pollet, mas concretizado por Fargier a partir do álbum de imagens que o amigo deixou, depois de durante um ano ter tirado pelo menos uma fotografia por dia na sua quinta em Cadenet, no Sul de França. Depois de, em fins dos anos oitenta, Pollet ter sofrido um acidente em que foi colhido por um comboio quando se preparava para filmar, viu-se obrigado a canalizar para um espaço limitado o impulso para viajar e filmar espaços diferentes que antes caracterizava a sua obra. Neste filme, a reflexão sobre a passagem do tempo é exacerbada pela proximidade da morte. Diversos recantos do interior e do exterior da casa do realizador são fotografados pormenorizadamente, com grande atenção ao jardim, aos animais e à secretária, livros e outros objectos pessoais do realizador, ao som de um texto de Fargier, que, tentando imaginar o que pode passar pela cabeça de um cineasta a preparar o seu último filme, vai explorando uma lista de cinquenta palavras que Pollet lhe facultou. Jour après jour funciona, assim, como espécie de súmula dos filmes-ensaio de Pollet, usando as mesmas técnicas, mas com um centro de atenção mais concentrado. Entre os filmes de Pollet que estão disponíveis no YouTube, o Cinéfilo Preguiçoso ainda viu Méditerranée (1963), que, com um texto de Philippe Sollers enunciado em off, funciona também como uma reflexão sobre a memória e a passagem do tempo a partir dos espaços, pessoas e objectos associados a esta cultura e geografia. Neste filme, é bastante evidente a influência de Alain Resnais, sobretudo da curta Les Statues meurent aussi (1953) e de L’Année dernière à Marienbad (1961). A influência de Resnais é interessante por se tratar de um autor que também se dedicou ao documentário e à ficção, embora em fases diferentes da carreira, ao passo que Pollet manteve sempre as duas facetas. O próprio Pollet reivindica esta influência, salientando que pretende que a montagem dos seus filmes se aproxime das técnicas do nouveau roman, privilegiando relações de analogia e não de contraste. Para quem se interessa pelos temas do tempo e da memória e pela relação entre as palavras e as imagens, Pollet é, sem dúvida, um cineasta com uma obra que vale a pena conhecer.