Quando Peeping Tom (Michael Powell, 1960) passou recentemente na RTP Memória, o Cinéfilo Preguiçoso aproveitou para gravar. Actualmente é considerado um filme de culto, sobre o qual Martin Scorsese disse que, com Oito e Meio (Fellini, 1963), tem tudo o que há para saber sobre realização. Quando estreou, no entanto, Peeping Tom, suscitou choque e indignação, prejudicando muito a carreira do realizador no Reino Unido. O filme segue a história de Mark Lewis (Carl Boehm), um assassino movido pelo desejo de captar a expressão de medo das vítimas quando percebem que vão morrer. A partir desta situação, que se repete algumas vezes ao longo do filme, é explorada a ideia de que filmar e ver (ou ser espectador) são actos de voyeurismo. Esta ideia é reforçada, para não dizer repisada, através dos vários contextos a que o protagonista pertence: trabalha no cinema e supostamente prepara um documentário; faz fotografias obscenas para venda em quiosques; e é filho de um famoso biólogo que não só estudava o medo, usando o filho como cobaia das suas experiências, que incluíam fazer filmes, como também oferece ao filho a sua primeira máquina de filmar. Em alguns momentos, Mark chega mesmo a comportar-se como uma máquina de filmar: por exemplo, quando oferece uma pregadeira a Helen (Anna Massey), uma jovem bibliotecária que se aproximou dele, Mark replica e regista automaticamente os gestos que ela faz para experimentar o sítio em que a deve prender. Esta insistência temática torna-se um pouco exasperante e também deve ter contribuído para a condenação moralista do filme na sua época. Falta alguma subtileza ao filme. Um realizador como Alfred Hitchcock trabalhou o mesmo tema com muito mais sofisticação, em Janela Indiscreta (1954), por exemplo. Ainda assim, claro que Peeping Tom é uma obra interessante e alguns dos melhores momentos são aqueles em que vemos os filmes a preto e branco realizados pelo pai do protagonista. Dentro destes filmes, o papel do pai do protagonista é desempenhado pelo próprio Michael Powell, o protagonista enquanto criança é interpretado pelo próprio filho de Michael Powell e a casa é aquela em que Michael Powell cresceu. Além disso, o realizador explicou que um dos motivos pelos quais escolheu Carl Boehm para o papel principal foi o facto de ele ser filho do maestro austríaco Karl Boehm, e portanto saber como era ter um pai prepotente. Não são mostrados apenas os filmes do pai; a inclusão de secções dos filmes do próprio protagonista permite a exploração de diferentes pontos de vista: a perspectiva do Mark que assiste ao filme, a perspectiva do Mark que realizou o filme, a perspectiva da vítima antes de morrer e a nossa própria perspectiva como espectadores. Em Peeping Tom, temos sempre camadas sobre camadas de significado, para as quais contribuem também duas personagens femininas importantes: além de Helen, que escreveu uma história para crianças sobre uma máquina de filmar, a mãe cega desta, que, pelo facto de ser mais sensível às intenções e à perturbação de que sofre Mark, parece sugerir que a visão não é o sentido mais importante. À primeira vista, Peeping Tom é um filme muito diferente daqueles que Powell fez com Emeric Pressburger nas décadas de 1940 e 1950, como A Vida e a Morte do Coronel Blimp (1943). Enquanto estes filmes com Pressburger são dotados de uma aura universal que os torna quase míticos, na medida em que os mitos nos explicam quem somos, Peeping Tom é um filme quase perversamente pessoal. Apesar disso, também mostra como somos, de um modo arrojado para a época, mas que ainda hoje continua a perturbar.