23 de junho de 2024

Don Juan

O cinema francês é fértil em realizadores que, à margem do mainstream e alheados do círculo de auteurs reconhecidos pelo cânone e pelos festivais, vão, com o correr dos anos, construindo um percurso original e discreto. À falta de fama, atraem a atenção de críticos e de pequenas legiões de fãs cinéfilos. Noutro país, teriam sorte se conseguissem realizar uma longa-metragem. Tratando-se de França, com a sua longa tradição de simpatia pelos artistas marginais e esdrúxulos, além de uma multiplicidade de fontes de financiamento, vão deixando uma filmografia robusta. O Cinéfilo Preguiçoso, que até agora só conhecia Serge Bozon de nome, inclina-se para o incluir na linhagem de Paul Vecchiali, Luc Moullet ou Jean-Claude Biette. Don Juan (2021), sexta longa-metragem de Bozon, parte de uma ideia simples: retratar o sedutor como um pobre diabo que, longe de conquistar as mulheres com os seus encantos, é abandonado no dia do casamento e se entrega a abordagens românticas canhestras na ressaca desse desgosto. Este pobre diabo, Laurent (Tahar Rahim) é um actor que prepara precisamente o papel de Don Juan na peça de Molière, o que propicia numerosas ocasiões para paralelos ou conflitos entre o palco e a vida real: Jacques Rivette não anda longe, assim como Christophe Honoré – também há canções, que irrompem quando menos se espera e são interpretadas pelos próprios actores. Don Juan explora várias ideias, como as semelhanças entre a sedução e a representação, ou a sucessão de conquistas amorosas como procura da mulher ideal (Virginie Efira desempenha o papel de Julie, noiva de Laurent, mas também de todas as mulheres que ele assedia). Nenhuma destas ideias é muito desenvolvida ou trabalhada no sentido de uma conclusão. É um filme sereno e livre, que parece movido essencialmente pelo prazer lúdico de responder a perguntas que começam com «E se…?». Apesar de transmitir a impressão de ser realizado com sobriedade e economia de meios, deixa espaço para a intromissão de elementos aparentemente acessórios, como a personagem que encarna o Comendador da peça de Molière (o cantor Alain Chamfort), pai de uma rapariga morta abandonada outrora por Laurent; uma excursão à praia que sugere um improvável futuro de felicidade conjugal entre Laurent e Julie (até de filhos se fala); perguntas ingénuas e certeiras de alunos de teatro sobre a sedução e o que sentem aqueles que seduzem ou são seduzidos. No final, Julie, que faz lembrar a mulher que viveu duas vezes de Hitchcock, abandona Laurent pela segunda vez. Don Juan não é um daqueles filmes em que as personagens aprendem com a experiência. Laurent é um actor que, no exercício da sua vocação, não resiste à tentação de olhar para os outros com a intensidade do sedutor, que é também a intensidade daquele que tenta entrar na intimidade de uma personagem. Isto augura um futuro de excelência artística e sucessivos desgostos amorosos.