Numa entrevista, Kelly Reichardt declarou que gosta de encarar cada filme como um novo desafio, sem preocupações de continuidade estilística ou temática com os anteriores, apesar de se manter fiel à sua equipa de colaboradores, com destaque para o argumentista Jon Raymond. Isto reflecte-se na sua filmografia, na qual seria difícil encontrar uma linha condutora ou temas dominantes. Uma das expressões que o Cinéfilo Preguiçoso usou em artigos sobre filmes anteriores de Reichardt foi “tom menor”. A recusa de pontos altos e da grandiloquência – provavelmente o traço mais distintivo desta cineasta – é mais evidente do que nunca em Showing Up (2022). A personagem principal, Lizzy (Michelle Williams), é uma escultora que prepara uma exposição, enquanto tem de lidar com uma miríade de problemas, alguns bastante comezinhos: o trabalho administrativo numa escola artística dirigida pela mãe, o bizarro casal que ocupa a casa do pai, a saúde mental do irmão, a falta de água quente e a saúde de um pombo que foi atacado pelo seu próprio gato. No meio das peripécias mais ou menos cómicas que estes problemas suscitam, o trabalho artístico de Lizzy é mostrado com uma discrição extraordinariamente bem conseguida. Os gestos de moldar, pintar e cozer as figuras de barro são intercalados com os gestos da vida quotidiana. Apesar da fluidez do trabalho de câmara e do argumento, nunca deixamos de sentir que a fronteira entre estes dois domínios existe e se mantém graças à força de vontade e ao autodomínio da protagonista. Showing Up está nos antípodas dos filmes que mostram os artistas como génios turbulentos que cortam as amarras que os ligam ao mundo e ficam à espera de que a inspiração os visite. O mundo está demasiado presente na vida de Lizzy e há demasiadas coisas a solicitarem os seus cuidados para que ela se possa dar a esse luxo. As estatuetas que cria nunca são filmadas de forma glamorosa, com a reverência devida a uma obra de arte: limitam-se a ocupar as porções de plano que lhe competem, entre os corpos e os movimentos daqueles que se aproximam delas. Há até uma que, por ter ficado demasiado tempo no forno, está queimada de um dos lados, mas não deixa por isso de integrar a exposição. Graças a essa materialidade, sugerida com tanto comedimento e desassombro, as peças adquirem um grande poder dramático nas cenas finais: à falta de manifestações de satisfação por parte de Lizzy, demasiado ocupada com os problemas da família, é a obra feita que exprime o sucesso do seu trabalho. Por se tratar de uma realizadora dada a recomeços, parece pouco razoável tentar descrever Showing Up como o culminar de um percurso, apesar de, provavelmente, ser o filme mais conseguido de Reichardt. Adivinha-se que a sua carreira futura continuará a registar passos em falso e momentos de excelência e que cada novo filme será como um território virgem que o espectador é convidado a explorar.
Outros filmes de Kelly Reichardt no Cinéfilo Preguiçoso: Certain Women (2016), First Cow (2019).