Ver este
filme não é muito diferente de assistir a um concerto de Laurie Anderson.
Habitualmente, nestes concertos são mais importantes as histórias que a artista
conta do que a música que se ouve. Contudo, enquanto os concertos da artista
não se organizam necessariamente em torno de um tema unificador, em Heart of a Dog (2015) conseguimos facilmente
identificar o eixo central das histórias: o tópico da morte. Este suscita desde reflexões mais gerais,
relacionadas, por exemplo, com a ameaça terrorista, a pensamentos e narrações
mais particulares do desaparecimento de entes queridos. À superfície, a morte mais
comentada em Heart of a Dog é a de
Lollabelle, a cadela rat terrier da
artista. Logo no início do filme, o estranho sonho em que a artista dá à luz
Lolabelle clarifica de imediato o estatuto da relação entre a artista e a
cadela. É curioso, no entanto, que num filme sobre a morte a artista nunca se
refira ao desaparecimento do marido, Lou Reed, em 2013. Antes do genérico final
aparece uma fotografia dele, mas Laurie Anderson nunca refere directamente a
morte do músico. Por esse motivo, ficamos com a sensação de que o mais
importante deste filme não pôde ser dito. As reflexões sobre a morte de
Lolabelle e de pessoas próximas podem ser vistas como um estratagema para
começar a abordar indirectamente a morte mais importante, aquela que ainda não se
consegue transformar em arte. Circular em torno da ausência e do não-verbalizado
é a estratégia principal de que a construção deste filme depende. A dada
altura, Laurie Anderson comenta: «Até agora, na minha vida, vi três fantasmas.
Um deles foi o de Gordon Matta-Clark.» Ficamos a pensar em quem terão sido os outros dois.